São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Macunaíma' é o primeiro filme pau-brasil

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

`Macunaíma' é o primeiro filme pau-brasil
Filme de Joaquim Pedro de Andrade, que reestréia hoje no Anexo 4 do Banco Nacional, faz as pazes com a chanchada
Com ``Macunaíma", o Cinema Novo descobriu ser possível conciliar três coisas: inovação formal, radicalismo político e sucesso popular. Inventivo do início ao fim, com um trabalho primoroso de Anísio Medeiros (cenários e figurinos), foi a mais bem-sucedida aventura modernista do cinema brasileiro, nosso primeiro filme pau-brasil.
Modernista na busca as nossas raízes e no empenho em descolonizar a nossa cultura. As raízes não são apenas aquelas, míticas, restauradas por Mario de Andrade, mas também aquelas, cinematográficas, a princípio combatidas pelos pares de Joaquim Pedro de Andrade. ``Macunaíma" fez as pazes (e uma ponte) com a chanchada. É, sem hipérbole, uma chanchada antropofágica, síntese de Carlos Manga com Oswald.
Mais estritamente fiel ao espírito e ao método de trabalho do romance que aos seus episódios, Joaquim Pedro simplifica e condensa o original, visualiza com brilho os elementos mágicos e fantásticos imaginados por Mario e atualiza suas obsessões temáticas à agenda estética e ideológica do fim dos anos 60. ``Macunaíma" é, em última análise, uma denúncia mordaz e escrachada do imperialismo econômico e cultural.
Mordaz, inclusive, no sentido de mordente. ``Mas uma dentada", salientou na época Joaquim Pedro, expondo as limitações da antropofagia, ``destrói muito pouco". Os caetés comeram o bispo Sardinha, mas foram afinal comidos por outros bispos.
Apesar das aparências, sua alegoria, fulgurantemente brega, não se casa com a cafonice zombeteira e inconsequente do tropicalismo, já decadente em 1969. Joaquim Pedro define sem ambiguidade os seus vilões, evita zonas de sombra em suas metáforas e chega a ser mesmo didático na exposição de suas idéias. Macunaíma deixou de ser, na tela, o malandro exemplar para se transformar numa vítima de espertezas mais poderosas. Num sujeito que, em vez de virar estrela, como no romance, acaba sendo comido pelo Brasil, este país autofágico que tem por hábito devorar seus filhos através da fome e da miséria.

Filme: Macunaíma
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Elenco: Paulo José, Grande Otelo
Onde: Anexo 4 do Espaço Banco Nacional (rua Augusta, 1.470)

Texto Anterior: NOITE ILUSTRADA
Próximo Texto: Leitores têm desconto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.