São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Geisel diz que Brasil não faria bomba atômica

GILBERTO DIMENSTEIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

``É uma idiotice", reagiu, irritado, o ex-presidente Ernesto Geisel, em sua casa em Teresópolis (RJ), na sexta-feira passada, ao ouvir o conteúdo de documentos secretos do governo americano. ``Em quem íamos jogar uma bomba atômica? Íamos jogar contra os Estados Unidos?"
Arquivados na biblioteca Jimmy Carter, em Atlanta (EUA), memorandos produzidos pelo Conselho de Segurança Nacional americano mostram a convicção do governo dos EUA de que estaria em andamento a construção da bomba.
Estimulada por textos da CIA (Agência Central de Inteligência) e informes da Embaixada dos EUA no Brasil, a suspeita sobre o projeto atômico teve um marco que, neste mês, completa 20 anos.
Em maio de 1975, o então chanceler brasileiro Azeredo da Silveira provocou comoção, dentro e fora do país, ao informar que o Brasil estava prestes a assinar um acordo com a Alemanha. Através dele, o país iria dominar a tecnologia da energia nuclear.
Previa-se a construção de oito reatores até 1990, iniciados em Angra dos Reis, ao custo de U$ 10 bilhões. Até o ano 2000, poderiam subir para até 60 reatores.
Passados 20 anos, gastaram-se U$ 7 bilhões e, até agora, do acordo com a Alemanha, nem a usina de Angra 2 está funcionando.
O projeto tornou-se a obra mais polêmica do ex-presidente Ernesto Geisel, azedando o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos. Num ambiente de crescente confronto, o país chegou a denunciar o acordo militar com os EUA.
``Não houve tentativa nenhuma de se fazer arma nuclear. O que se pensou foi a geração de energia. Qual o interesse do Brasil em se fazer uma bomba atômica? O Brasil não tinha e não tem nenhum inimigo. Estava em paz, não tinha nenhuma reivindicação territorial", diz o ex-presidente Geisel.
As razões brasileiras estavam explicitadas em memorando analisado pelo responsável pelo Conselho de Segurança Nacional americano Zbigniew Brezezinski, em outubro de 1977. O presidente era Jimmy Carter, eleito com a bandeira dos direitos humanos.
A Casa Branca preparava a viagem de Carter a Brasília, num momento delicado. As relações entre os dois países estavam tensas, devido à política de direitos humanos e a oposição ao acordo nuclear.
Brezezinski recebeu um memorando do Departamento de Estado americano, intitulado ``Estímulo ao Brasil tornar-se uma responsável potência ocidental".
Segundo o documento, os militares brasileiros teriam o projeto de converter o Brasil numa potência continental do nível da China, ex-URSS e EUA. Seria uma questão de ``destino", na visão da elite militar brasileira.
``O Brasil pretende impulsionar projetos nucleares e, apesar das persistentes negativas dos militares, o país quer e vai ter armas nucleares", afirma o documento.
Mais adiante, acrescenta: ``A ausência de armas nucleares é inconsistente com o conceito militar do destino brasileiro". Em seguida, afirma: ``O Brasil considera que a oposição americana ao acordo com a Alemanha para o domínio do ciclo nuclear é uma tentativa de preveni-lo de atingir seu verdadeiro destino e ultrapassar o nível de subdesenvolvimento."
Após ler o memorando, Brezezinski enviou-o para comentários do ex-professor de Harvard Robert Pastor, seu principal assessor para América Latina no Conselho de Segurança Nacional. Daí surge, em 4 de novembro, mais um memorando que, no primeiro parágrafo, aborda a questão nuclear.
Em seu texto, ele reproduz a frase de que o ``Brasil quer e vai ter armas nucleares". E, em seguida, propõe: ``Espero que o presidente (Carter) discorde da segunda metade dessa afirmação".
Em entrevista à Folha na semana passada, Robert Pastor explica o porquê da oposição ao acordo nuclear: ``O Brasil não tinha assinado o Tratado de Não-Proliferação nuclear. E nossa política era evitar uma corrida armamentista".
Ao redigir seu memorando em 1977, Pastor traçou uma estratégia de aproximação com o Brasil. Sugeria que os EUA acenassem para o Brasil com a presidência do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Num clima tenso, Carter chegou a Brasília em 29 de março de 1978. Seguindo as preocupações do memorando, Carter explicitou habilmente sua discordância: ``Não discutimos o direito que têm o Brasil e a Alemanha de dar prosseguimento a seu acordo nuclear, mas nos reservamos o direito, e o temos utilizado, de expressar nossa preocupação tanto ao governo brasileiro quanto ao alemão."

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