São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Coréia do Norte é o país mais fechado

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL À CORÉIA DO NORTE

A figura do presidente Kim Il-Sung vigia a Coréia do Norte, o país mais fechado do mundo.
Sua morte no ano passado interrompeu o reinado comunista de 49 anos, mas um fanático culto à personalidade do "Grande Líder ainda sobrevive.
Retratos do dirigente morto dominam ruas e escritórios da capital Pyongyang. Sua estátua de bronze com 75 metros de altura impera no centro da cidade, e as leis da glorificação obrigam os norte-coreanos a carregarem um broche com a efígie de Kim Il-Sung.
Depois do ataque cardíaco que matou o "Grande Líder a 8 de julho último, seu filho Kim Jong-Il assumiu o poder, na primeira sucessão hereditária no mundo comunista. Criava-se a dinastia Kim.
Preocupado em mostrar que reina com tranquilidade, Kim Jong-Il promoveu uma limitada abertura nas fronteiras de seu país e recebeu 8.000 visitantes para o Festival Internacional de Esportes e Cultura para a Paz, entre os dias 28 e 30 passados.
O evento, apoiado principalmente em apresentações de luta livre, quebrou um jejum que se arrastava desde 1989, quando a Coréia do Norte promoveu pela última vez festival semelhante.
Mas naquela época existia a União Soviética, um aliado cujo desaparecimento fez o regime norte-coreano se isolar ainda mais.
A Coréia do Norte, se facilitou a concessão de vistos, manteve turistas e jornalistas sob a vigilância de "guias turísticos que dificultavam a livre movimentação em solo norte-coreano. Tomar táxi sozinho, por exemplo, é impossível.
No aeroporto, agentes do serviço de segurança revistavam cuidadosamente a bagagem. Folheavam livros e revistas que, caso apresentassem teor "contra-revolucionário ou críticas ao regime, eram confiscados.
Comunista, no mar de capitalismo em que se transforma a Ásia, a Coréia do Norte se notabiliza como um dos regimes mais repressores do planeta.
Isola os habitantes das fontes de informação estrangeiras, proibindo a venda de jornais e revistas impressos fora do controle do governo.
Com a morte do pai, Kim Jong-Il, 53, passou de "Querido Líder a "Grande Líder, mas sua foto ainda não está nos broches de uso obrigatório.
"Nosso dirigente é muito modesto e ele respeita a memória de seu pai, conta Chae Sung Chol, um guia turístico norte-coreano.
Sob o argumento de respeitar a memória do pai e a tradição do luto, Kim Jong-Il ainda não assumiu os postos de presidente e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores da Coréia, antes ocupados por Kim Il-Sung.
A opção levou analistas estrangeiros a especularem se o dirigente realmente controlava o governo.
Mas King Jong-Il, uma figura misteriosa cujos discursos são lidos por locutores e que evita as aparições em público, se veste aos poucos com o manto do poder.
Ele é o chefe da poderosa Comissão de Defesa Nacional e das Forças Armadas. A imprensa oficial o apresenta como "grande líder do nosso partido e povo.
Na botânica, Kim Jong-Il já se equipara ao pai. Existe um tipo de orquídea batizada de "kimilsungia e também há uma espécie de begônia com nome "kimjongilia.
Os nomes dos soberanos comunistas também identificaram os principais pontos da capital Pyongyang. A praça Kim Il-Sung, palco para as comemorações de 1º de Maio, ocupa 75 mil m2.
Praticamente destruída na Guerra da Coréia (1950-53), Pyongyang se reconstruiu com a receita arquitetônica socialista: avenidas amplas, palácios governamentais suntuosos, conjuntos residenciais em monótona repetição.
As avenidas amplas, no entanto, sentem falta de um trânsito pesado, sinal da pobreza e da escassez de combustível. Assim, todos os dias em Pyongyang têm ar de domingo.
A calmaria comunista, a falta de propagandas e a limpeza irretocável de Pyongyang contrastam com a agitação de outras metrópoles asiáticas, como a chinesa Xangai ou a vietnamita Cidade de Ho Chi Minh.
Os costumes norte-coreanos também eliminam a calça jeans e dão preferência a sóbrios e humildes conjuntos de tergal.
Em nome do igualitarismo, a Coréia do Norte eliminou a miséria da paisagem urbana da cidade.
Mas o modelo econômico, baseado na centralização das atividades nas mãos do Estado, não se mostrou capaz de rivalizar com o rápido desenvolvimento da vizinha e capitalista Coréia do Sul.
O mistério que envolve a Coréia do Norte também cerca a vida econômica e, por isso, são raras as estimativas confiáveis. Avalia-se que a economia diminuiu 4,3% em 1993 e 6,7% no ano passado.
A tendência de queda contrasta com o acelerado crescimento econômico sul-coreano, avaliado em 7,6% em 1994. Outra comparação: enquanto o norte exportou US$ 900 milhões em 1992, essa cifra no sul atingiu US$ 76,6 bilhões.
Em 1993, pela primeira vez, o regime de Kim Il-Sung admitiu dificuldades na economia. A safra de grãos atingiu 3,4 milhões de toneladas, metade do planejado.
O fracasso alimentou versões de que protestos por comida sacudiriam o país.
Notícias não-confirmadas da Coréia do Sul e do Japão pintavam um país à beira do caos. Kim Jong-Il aproveitou o festival para mostrar que o país, pelo menos na aparência, ainda funciona.
Mas o governo já ensaia algumas reformas em sua ortodoxia comunista para modernizar a agricultura, desenvolver a indústria leve e aumentar as exportações.
O passo principal corresponde a abrir espaço para uma limitada entrada de capital estrangeiro. As reformas já trouxeram joint ventures na área de mineração e comércio, por exemplo, e criaram a primeira "zona econômica especial.
Implantada no norte, a "zona econômica especial oferece incentivos fiscais para atrair novas indústrias e capital estrangeiro.
Mas o receio dos investidores faz com que o projeto ainda não tenha decolado. A natureza ortodoxa e nebulosa do governo de Kim Jong-Il provoca medo.

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