São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Figueiredo nega suspeita de bomba nuclear

GILBERTO DIMENSTEIN
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao comentar ontem os documentos divulgados pela Folha com suspeitas sobre intenções bélicas por trás do projeto nuclear brasileiro, o ex-presidente João Baptista Figueiredo reagiu: ``É uma mentira cretina, imbecil e estúpida".
Durante seu governo, ganhou impulso o ``programa nuclear paralelo", promovido sigilosamente pelo CSN (Conselho de Segurança Nacional).
Entre as metas do programa, segundo documento obtido pela Folha, estava o Projeto Celeste, cuja missão seria reprocessar o urânio, transformando-o em plutônio -daí se poderia produzir a bomba nuclear.
O programa nuclear paralelo previa ações dispersas em vários ministérios, envolvendo Exército, Marinha e Aeronáutica, todos com tarefas complementares. A coordenação cabia ao Conselho de Segurança Nacional.
``O país tem condições de avaliar que nosso objetivo era produção de energia", afirmou Figueiredo, acrescentando: ``Os brasileiros têm informações suficientes para fazer essa avaliação". Disse, então, que se negaria a falar do projeto: ``Mesmo que tivesse informação, não falaria".
Bateu, então, o telefone abruptamente, antes de responder sobre a produção de explosivos nucleares, previstos na página 2 do documento do CSN.
Esses artefatos teriam ``fins pacíficos", segundo o documento, e seriam administrados pelo Ministério da Aeronáutica.
Esse ministério era o responsável pelos buracos da base de Cachimbo, no sul do Pará. Fins pacíficos seriam, por exemplo, obras de engenharia com necessidade de explosão.
O general Danilo Venturini disse ontem que, de fato, toda aquela tecnologia habilitaria o Brasil a construir a bomba. ``Mas não era nossa intenção", ressaltou.
Comentou que a pólvora e o aço têm uma série de funções pacíficas, mas também bélicas. Nem por isso, acrescentou, se deveria abrir mão das tecnologias da pólvora ou do aço.
``O que nos motivava, além da necessidade de energia, era a formidável capacidade de aplicação da energia nuclear nos campos da indústria, medicina e agricultura", afirmou Venturini.
Rotulado com o carimbo de ``ultra-secreto", outro documento, desta vez assinado pelo então presidente José Sarney, em 1986, ordenava que fossem prosseguidos os projetos de Figueiredo -seu antecessor- para o domínio do ciclo nuclear.
No final de 1984, Figueiredo quis deixar as diretrizes do programa paralelo ao futuro governo -então se imaginava que seria de Tancredo Neves, que tinha compromisso com os militares de não interromper o programa paralelo.
As orientações básicas, expostas no documento, seriam quatro:
1) manter a associação supervisionada pelo CSN entre as áreas técnicas da Marinha, Aeronáutica e Exército;
2) assegurar, onde necessário, o sigilo adequado;
3) cuidar para que fosse assegurada a compatibilidade entre as atividades desenvolvidas e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil;
4) criar condições para o domínio completo e independente do combustível nuclear e de ``todas as suas formas de aplicação".
``Tinha mesmo de ser sigiloso. As pessoas envolvidas podiam mesmo correr risco de vida", justificou Venturini. O motivo principal eram as pressões externas, mais precisamente dos Estados Unidos, contrários ao acordo nuclear Brasil-Alemanha.
``Essa coisa de bomba é uma fantasia", comentou ontem o ministro da Justiça à época, Armando Falcão.
Na condição de integrante do CSN, Falcão era informado que a CIA (Agência Central de Inteligência) estaria por trás de um boicote ao acordo nuclear.
As informações, segundo ele, eram levadas (e estão arquivadas) pelo então ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira.

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