São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
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Hormônios e anabolizantes _ a posição do Idec

MARILENA LAZZARINI; SEZIFREDO PAULO PAZ

MARILENA LAZZARINI e SEZIFREDO PAULO PAZ
Diante da iminente resolução do Ministério da Agricultura que deve liberar o uso de substâncias hormonais e anabolizantes para a engorda do gado brasileiro, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) tem algumas considerações a fazer, que esperamos sejam pensadas e refletidas pelas autoridades e pela sociedade.
Em 1988, ante a constatação do uso proibido do hormônio DES (dietilestilbestrol) e a inoperância dos organismos públicos responsáveis pela fiscalização dos hormônios, anabolizantes e pela inspeção sanitária de carnes, o Idec impetrou uma ação civil pública, exigindo uma atuação efetiva das autoridades para a proteção da saúde do consumidor.
Em 1991, novamente, o assunto voltou à cena. Desta vez, através de uma portaria do Ministério da Agricultura, assinada pelo ministro Antonio Cabrera, que reforçou a proibição e definiu as penalidades para os que transgredissem a norma.
Em 1994, mesmo com a objeção de diversos segmentos técnicos e científicos e da sociedade organizada, o Ministério da Agricultura mudou de opinião e retomou o processo de liberação dos hormônios e anabolizantes, tendo como principal aliado o Sindicato Nacional dos Produtores de Defensivos Animais (Sindan). No momento, o processo de liberação se encontra bastante adiantado, sendo defendido publicamente pelas autoridades do referido ministério. Na nossa opinião, a análise dessa questão deve ser realizada sob os diferentes aspectos que a envolvem, e não apenas sob os supostos benefícios econômicos para alguns produtores de gado para abate e para os fabricantes de hormônios.
Primeiramente, devemos analisar o que julgamos mais importante: os riscos à saúde do consumidor. As possíveis repercussões sobre a saúde humana pela ingestão de carnes e vísceras contendo hormônios, anabolizantes ou seus resíduos ainda é objeto de controvérsias (e desconfiança) pelas incertezas em relação aos riscos de natureza toxicológica, onde se inclui, por exemplo, a indução de processos carcinogênicos e os efeitos hormonais no organismo humano, principalmente a longo prazo.
Os questionamentos acerca dos efeitos tóxicos dessa substância são respondidos pelos defensores da liberação com uma frase condicionante: ``Desde que os animais sejam adequadamente tratados..." Não deixando dúvidas de que existe um risco de natureza quantitativa, cujo controle foge, evidentemente, à débil atuação dos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização do uso dessas substâncias no Brasil.
Embora a proposta mantenha a proibição do DES (dietilestilbestrol), com a liberação de hormônios e anabolizantes que têm a mesma função, haverá um aumento no uso proibido -e já elevado- daquele hormônio que custa muito menos e que, comprovadamente, causa sérios danos à saúde dos consumidores.
Por outro lado, as medidas de controle propostas, que serão analisadas em seguida, não asseguram que os consumidores brasileiros terão o nível de proteção adequado à sua saúde. O governo brasileiro não possui um programa eficiente de controle de resíduos de drogas em carnes e demais alimentos de origem animal.
O sistema de inspeção sanitária em estabelecimentos de abate não oferece cobertura nem em 30% dos estabelecimentos do país. Também é insignificante o número de amostras para o monitoramento de resíduos de drogas veterinárias (0,0004%), sendo que o pouco que é executado é sobre os produtos destinados à exportação.
Faltam laboratórios, e os investimentos necessários para uma infra-estrutura laboratorial são elevadíssimos e inviáveis economicamente.
É falacioso, finalmente, o argumento de que haverá um aumento na produção de alimentos de origem animal. Na verdade, tal aumento poderá, sim, ser obtido -ainda com um maior rendimento- pelo aprimoramento do manejo dos rebanhos e da nutrição animal, combatendo as doenças infecciosas e parasitárias e melhorando o padrão genético dos animais.
Uma atuação mais efetiva dos órgãos de pesquisa e de extensão rural junto aos produtores, visando que estes adotem essas leis práticas na criação, contribuirá para melhorar a qualidade de todos os produtos de origem animal, facilitando o comércio interno e externo dos mesmos e protegendo os consumidores da ameaça dos resíduos das drogas veterinárias e outros riscos à sua saúde.
Com isso, os benefícios não serão apenas para alguns criadores -menos de 20%- ou fabricantes de hormônios, mas para toda a sociedade, pois haverá o desenvolvimento econômico ordenado do setor agropecuário sobre uma base legítima de respeito aos direitos dos consumidores.
A preocupação com a utilização de hormônios e anabolizantes na engorda de animais é universal. Diversas associações de consumidores têm atuado visando levantar a magnitude do problema, denunciando-o à opinião pública e exigindo medidas governamentais para a sua solução.
A situação do problema no Brasil tem despertado o interesse de várias associações de consumidores de diversos países importadores de carnes, tais como Bélgica, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, Espanha, Portugal e Itália.
Como o Idec, essas associações fazem parte da Consumers International-CI (ex-IOCU) e reagirão à liberação, pressionando os seus governos para não adquirirem a carne brasileira.
O Idec, por sua vez, usará de todos os meios legais e de informação disponíveis à população para que não sejam violados os direitos dos consumidores. Há, inclusive, disposição de uma ação direta em nível nacional contra o consumo de carnes, caso ocorra a liberação do uso dos hormônios e anabolizantes na pecuária brasileira.

MARILENA LAZZARINI, 46, engenheira agrônoma, é presidente do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e membro da diretoria executiva da Consumers International.

SEZIFREDO PAULO PAZ, 34, médico veterinário sanitarista, é especialista em qualidade do Idec.

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