São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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Filme mostra versão dos desaparecidos

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

CLAUDIO JULIO TOGNOLLI
Entra em cartaz no próximo dia 9 de junho o curta-metragem "Vala Comum", de 32 minutos de duração, de João Godoy, 34.
No dia 5 de junho, às 21h30, acontece a pré-estréia do curta -bem na semana em que, espera-se, o presidente Fernando Henrique Cardoso vai reconhecer como mortas 152 pessoas que desapareceram durante o regime militar (1964-1985).
A Folha obteve uma cópia exclusiva do filme, que vai ser usado como "piéce du resistance" pelas entidades de direitos humanos de todo o Brasil -que elegeram o mês de maio como a temporada oficial de protestos da categoria.
Na pré-estréia do filme, no Espaço Banco Nacional (rua Augusta, região central de São Paulo), farão palestras o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro e o jornalista Caco Barcellos. O repórter é autor do livro "Rota 66", que trata de casos de violência praticada pela Polícia Militar de São Paulo.
"Vala Comum" ganho o primeiro lugar no 27º Festival de Cinema de Brasília. A narrativa começa com a descoberta de uma vala clandestina no cemitério Dom Bosco, em Perus (zona oeste de São Paulo) e, a partir do fato, entra pelos depoimentos de familiares de desaparecidos nas mãos do Exército.
Na vala comum foram encontradas 1.044 ossadas, embrulhadas em sacos azuis e dispostas numa vala de 32 metros de comprimento por três metros de profundidade, resgatando as imagens da época, o curta-metragem ganhe ares de tele-reportagem, como se estivesse narrando ao vivo o encontro da vala.
A melhor parte do curta, sem dúvida, está nas entrevistas com os familiares dos desaparecidos identificados na vala: Dimas e Denis Casemiro, Frederico Eduardo Mayr, Flavio Carvalho Molina, Francisco José de Oliveira e Granaldo José da Silva.
Com detalhes pormenorizados, o cineasta João Godoy se dedicou, com paciência de charreteiro, a uma tarefa não muito bem explorada pelas televisões da época: como eram reconstituídas as faces dos desaparecidos, pelo perito Nelson Massini, nas telas dos computadores da Universidade de Campinas (Unicamp) (100 km a leste de São Paulo).
Godoy também resgatou as imagens mais contundentes da época: as filas de familiares de desaparecidos que acorriam ao cemitério Dom Bosco tentando dar nomes aos ossos. E, nesse ponto, mergulha em depoimentos de familiares enxertados com imagens de comerciais da época. Fala o pai de um desaparecido e, de repente, surge a marchinha da propaganda oficial do governo Emílio Médici, "este é um país que vai prá, frente, este é um país que canta e se agiganta", etc.
O curta-metragem talvez nem se encaixe na categoria dos filmes. É uma reportagem promissora, que resgata detalhes jamais revelados pela crônica da época.
E é justamente nesse ponto que o curta de João Godoy torna-se imperdível: o cineasta revela como os pais dos desaparecidos conseguiram, em depoimentos de amigos procurados por anos, cotejar as versões oficiais do Exército com a história real.
"Falavam que meu filho tinha sido atropelado por um caminhão. O nome do motorista e a placa do caminhão saíram no jornal. Mas quem estava ao lado da cela dele me contou, depois, que tinha ouvido ele berrar a noite toda. E depois viram seu corpo sendo retirado da cela", testemunha uma mãe.

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