São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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Coveiros do real

LUÍS NASSIF

Política monetária -ainda mais com a virulência com que esse instrumento foi adotado- mexe com todos os setores da vida nacional. Utilizar bem o instrumental pressupõe conhecimento profundo da estrutura de capital de giro das empresas, das relações interempresas, da maneira como o sistema bancário reage aos impulsos de maior ou menor liquidez da economia. Qual o cacife desse pessoal do Banco Central para praticar suas bruxarias, se todo o seu conhecimento e toda a sua experiência residem no estudo de agregados monetários? É o mesmo que um médico pôr-se a operar depois de concluir seu curso por correspondência.
Dia desses, um economista do Real -fora do governo- sustentou, em um artigo, sua defesa dessa política. Há excesso de demanda, dizia ele. Logo, todo plano que visa combater excesso de demanda é virtuoso por princípio. Rebater essa descoberta científica, quem há de?
Medicina e posologia
A medicina pressupõe o conhecimento das substâncias medicamentosas e sua posologia -a forma de utilização.
O médico que matou a criança por injetar-lhe dose cavalar de antibióticos também é virtuoso por princípio. Afinal, a criança estava com infecção e -como todo mundo sabe- antibiótico foi inventado para combater infecções.
Os indicadores de atividade informam que a economia está crescendo a 10% ao ano. Os economistas de laboratório analisam, tomam medidas que paralisam completamente o mercado de crédito e anunciam, com a mesma proficiência com que produziram o desastre cambial: com esses juros, reduziremos o crescimento para 5% ao ano e todos sairemos vivos, porque ainda assim estaremos 5% melhores do que no ano passado.
O que ocorre na prática? O processo de crescimento muda o nível de capital de giro, de gastos e de pessoal da empresa. Ela se reestrutura para produzir em um novo patamar.
Se o nível de atividade cai bruscamente para os pretendidos 5% de crescimento ao ano, a empresa caiu 5% em relação ao momento anterior. Quando isso ocorre, se a empresa não está suficientemente capitalizada -maioria absoluta das pequenas e médias empresas nacionais-, gera-se um rombo em seu capital de giro, que precisa ser financiado no mercado.
Gênios radicais
Se nossos amigos tivessem um conhecimento de microeconomia que fosse um pouco além dos jardins, tratariam de estabelecer um processo gradativo de restrições creditícias, que permitisse uma transição dura -porém suportável- de volta ao patamar anterior.
Mas medidas gradativas são para mortais comuns, não para gênios. Primeiro, encareceram violentamente o crédito, ampliando em vários pontos percentuais o rombo inicial. E, de três semanas para cá, simplesmente extirparam o crédito da praça.
É falácia dizer que os juros para crédito estão em 10% ao mês. O crédito simplesmente não existe, porque os bancos conhecem o mundo real, perceberam a extensão da quebradeira que vinha pela frente e trataram de se antecipar à crise de liquidez -agravando-a.
Agora, em vez do retorno aos 5% de crescimento ao ano, o que ocorre é a inadimplência e a quebra. A quebradeira provocada pela persistência nessa política burra é irreversível. Não tem desafogo de crédito, mais adiante, que resolva.
Primeiro, rodam as empresas e consumidores menos capitalizados. Depois, a rede de relações comerciais da economia transmite os abalos para as empresas maiores. E assim por diante.
Quebrar metade da economia para reduzir a atividade econômica, explodir a dívida da União, Estados e municípios, interessa a quem? Não se tem nem o consolo de que após a tempestade virá a bonança. Virá mais tempestade.
Mas, como são figuras brilhantes, na hora de contabilizar os mortos nossos economistas certamente conseguirão convencer a nação de que todos morreram em perfeito estado de saúde.
Falso sigilo
Que história é essa de o presidente do Banco Central, Pérsio Arida, recusar-se a mostrar os dados sobre a atividade econômica -em que supostamente se baseia para adotar essa política monetária- sob alegação de sigilo de governo? Desde quando dados de atividade econômica são sigilosos? É desaforo jogar o país nessa aventura temerária e recusar-se a apresentar seus argumentos.

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