São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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País gasta US$ 100 mi ao dia com política atual

``O governo está matando o carrapato e o boi junto"

FERNANDO CANZIAN; FIDEO MIYA
DA REPORTAGEM LOCAL

A política de juros altos custa hoje ao país US$ 3 bilhões ao mês. O valor é mais do que o dobro do que o governo pretende arrecadar com a venda de nove empresas estatais até agosto.
O país terá de gastar no futuro US$ 100 milhões ao dia para pagar esta dívida -o equivalente a quatro vezes o maior prêmio já acumulado em uma loteria no Brasil, a Supersena do início de maio.
Os valores são calculados com base no juro atual, de 4% ao mês, que engorda uma dívida de US$ 75,3 bilhões (valor de janeiro) que consta no relatório do Instituto de Economia do Setor Público (Iesp).
Em última análise, quem deverá pagar esta conta no futuro é o contribuinte.
Somente em 1994, o setor público (União, Estados e municípios) gastou R$ 20,6 bilhões para pagar os juros de sua dívida -três vezes mais do que os valores reservados para a área de saúde (R$ 7 bilhões).
Calibragem
O governo aumenta ou diminui o juro na economia calibrando o quanto paga de rendimento nos títulos do Banco Central. Como a taxa é sempre alta, todos querem estes títulos. No caso dos bancos, eles são obrigados a comprá-los.
Os juros são mantidos muito altos por dois motivos básicos: o governo quer segurar o consumo, tornando o crediário inacessível e os empréstimos caros; e quer atrair dinheiro de investidores externos, que vivem procurando os melhores rendimentos ao redor do mundo.
Ao segurar o consumo, a pressão sobre a inflação diminui, garantindo o sucesso do Plano Real.
Por outro lado, ao atrair o dinheiro dos investidores internacionais, o país aumenta suas reservas em dólar, garante a política cambial vigente e pode importar mais. As importações tendem a segurar os preços da indústria nacional.
Mas o problema fundamental é que o governo não liquida totalmente os juros que promete aos bancos, empresas e investidores internacionais.
Ele simplesmente ``rola" a dívida para frente, emitindo novos títulos para captar mais dinheiro e para poder pagar os que venceram.
Se fosse uma empresa, provavelmente o Brasil já teria quebrado há muito tempo por falta de crédito. Mas como pode emitir dinheiro e detém o monopólio dos títulos federais, continua criando papéis e ``rolando" as dívidas.
O governo promete diminuir estes débitos com o dinheiro das privatizações. Mas enquanto os recursos da venda das estatais não entram -e serão insuficientes quando entrar- o setor público vai rolando a dívida ou abatendo parte com o dinheiro arrecadado com impostos.
No ano passado, por exemplo, foram gastos R$ 5,4 bilhões da receita de impostos para pagar dívidas. O valor representou quase 10% de toda a arrecadação do Tesouro Nacional de 1994.
Nos três primeiros meses de 95, R$ 1,4 bilhão da receita do Tesouro já foi ``queimado" com juros.
O economista da Universidade de São Paulo, Joaquim Elói Cirne de Toledo, que hoje ocupa a vice-presidência da Nossa Caixa-Nosso Banco, diz que a única saída para esta montanha de dívidas é o país realizar um ajuste que aumente a receita dos impostos.
O ajuste cortaria o juro -e a dívida- em duas frentes. De um lado, a receita adicional seria utilizada para abater os débitos. De outro, o aumento da arrecadação contribuiria para tirar dinheiro da economia, eliminando a necessidade de conter a atividade com o juro alto.
Enquanto o ajuste não vem e o juro não cai, os empresários se apertam. ``O governo quer matar o carrapato, mas está matando o boi junto", compara o presidente do Simpi, Joseph Couri, que reúne o segmento mais afetado pelo juro alto, as pequenas empresas.
(Fernando Canzian e Fideo Miya)

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