São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O consultório sentimental de Vilela

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

``Te Amo Sobre Todas as Coisas", o novo livro do escritor mineiro Luiz Vilela, é um diálogo quase ininterrupto, num aeroporto, entre uma mulher e um homem, enquanto este aguarda o embarque em um avião que está atrasado.
Ele (arquiteto, 33 anos) estava partindo da cidade (que não sabemos qual é) e ela (dona de butique, 28 anos) veio atrás dele para que, ou desistisse de ir, ou que a levasse junto.
É a crise total de um casal por volta dos 30 anos de idade. Uma idéia boa, em termos de conteúdo.
No aspecto formal, também, a idéia é boa: o autor não dá detalhes descritivos; não sabemos como o casal é fisicamente; do aeroporto, Vilela não nos fornece mais do que o trivial (cadeiras de plástico, lanchonete...).
Tudo é preparado para que o leitor se concentre apenas no diálogo, na força do raciocínio de cada parte do casal, nas suas expressões, nas palavras que irão pronunciar.
E é aí que começam os problemas. O que vemos nascer aos poucos entre os dois protagonistas é um diálogo composto de banalidades chocantes, uma espécie de pot-pourri de lugares-comuns.
Como esta pergunta dela: ``Será que há na terra coisa pior do que um amor que acaba?". E a resposta dele, que não deixa por menos: ``Muitas coisas: guerra, fome, inundações...".
Ou ainda esta assertiva dele: ``As coisas não são sempre assim tão claras, Edna. Sentimento não é matemática".
Afora isso, eles alternam sentimentos de ódio e carinho, algumas ameaças surgem da parte dela, mais ou menos veladas, sem consumação.
Mas nada se resolve, dando a impressão de que o casal criado por Vilela é vítima de seus próprios clichês, os quais não lhe permitem aprofundar o diálogo, muito menos resolver (para um lado ou para outro) a sua crise. Coisa de fotonovela.
Luiz Vilela sabe que diálogos em demasia cansam o leitor. Talvez por isso, corretamente, tenha feito um livro curto.
A dúvida que fica, no entanto, é a seguinte: teria o experiente autor -formado em filosofia, nome de concurso literário, com uma obra de mais de uma dezena de livros, objeto de teses etc-, teria ele elaborado de propósito esse painel de frases de consultório sentimental, para expô-las assim mesmo, no limiar de uma comédia "à la besteirol, ou, ao compô-lo, acreditava seriamente estar criando algo não banal, de idéias não cosidas, sobre choques conjugais?
Este resenhista, imbuído de um otimismo doentio, prefere ficar com a primeira hipótese.

Texto Anterior: MAFFESOLI; POESIA
Próximo Texto: REVISTAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.