São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Herdeira revela discriminação

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Sob efeito de antidepressivos, Yara Fontana D'Ávila de Moraes, 36, pediu demissão da Sadia no dia 29 de junho de 1994.
``Depois de dez anos, diante de minhas pretensões de crescer dentro da empresa, o que me fizeram foi me deixar quase um ano numa espécie de limbo, sem função alguma, recebendo um salário equivalente a US$ 900", conta ela em um livro, ainda sem título.
Casos como esse não são raros em empresas, nem justificariam um livro, se Yara não fosse neta de Attilio Fontana, fundador de um império alimentício que prevê faturar US$ 3 bilhões este ano.
Na obra, escrita em parceria com o jornalista Mylton Severiano, a herdeira relata episódios da tentativa de fazer sua carreira decolar na empresa da família.
``É mais fácil para uma mulher de fora", afirma Yara, que viu o sonho profissional desmoronar enquanto outros parentes ``subiam como foguete" nos escalões da Sadia.
O irmão, Eduardo Fontana D'Ávila, 40, ocupa o cargo de diretor-geral. Dois primos, Luiz Furlan e Walter Fontana Filho são, respectivamente, presidente do conselho de administração e presidente executivo.
Formada em Psicologia, Yara foi admitida no departamento de Recursos Humanos em 1983, após recusar a sugestão de um parente, que é diretor da empresa, de montar uma butique.
``Como poderia, depois de passar a infância na fábrica, em Concórdia (SC), testemunhando a dedicação da família à companhia e ouvindo histórias da saga de meu avô?", indaga.
Segundo Yara, nem seu entusiasmo, nem os cursos especializados que frequentou foram suficientes para demolir um muro de discriminação sexual. No departamento de RH, seu primeiro trabalho na Sadia, limitava-se ao recrutamento de motoristas e ajudantes.
"Dava para sentir que ela era desvalorizada por todos: seus primos, que eram pessoas menos dedicadas que ela, ocupavam posições melhores", afirma a psicóloga Mônica Gorgulho, à época subordinada a Yara.
Interessada numa gerência, Yara ouviu que não havia vaga. "Quase em seguida foi contratado o marido de uma prima que até então era fotógrafo", diz.
Yara, detentora de ações da Sadia, entrevistou outras herdeiras. ``Algumas sequer têm o carro e casa em seu nome", diz. Cita H., que apesar de sobrenome famoso e criada em uma casa em que havia um Tarsila do Amaral no lavabo, vive de mesada. Quando quis trabalhar na empresa ouviu do pai: ``Só se for como faxineira."
No caso do clã dos Fontana, a ironia é que o time feminino predomina. São 30 mulheres e 16 homens. Dos 26 netos do fundador, apenas 9 são homens. Em seu livro, Yara co-responsabiliza o avô, de quem foi secretária até 1989, quando ele morreu, pela discriminação: "Vovô nunca preparou nenhuma dessas mulheres para exercer cargo algum".
Outra mágoa foi ter conduzido um programa de prevenção a drogas e álcool na Frigobrás -braço do grupo- que, destacado em um documentário da OMS (Organização Mundial da Saúde), ``não teve sua importância reconhecida pelos diretores".
Certa de que o mundo dos negócios ainda pode ser cor-de-rosa, Yara inaugura um restaurante na próxima semana.

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sobre o caso e a versão da empresa na pág.2-3

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