São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 1995
Próximo Texto | Índice

Antunes monta ritual para "Gilgamesh"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Antunes monta ritual para ``Gilgamesh"
O diretor estréia semana que vem no Sesc Anchieta a versão que escreveu para o poema épico sumério
Antunes Filho estréia no próximo dia 1º, no teatro Sesc Anchieta, em São Paulo, a sua versão do épico sumério ``Gilgamesh". É o mais antigo texto literário conhecido, um ciclo de poemas anterior aos primeiros livros da Bíblia e a Homero.
O espetáculo, que o diretor vê como um ``ritual" e não necessariamente como teatro, é parte do seu trabalho com a mitologia, iniciado há duas décadas.
Segundo Antunes, é através de obras como ``Gilgamesh" ou ``Mahabharata", o épico indiano montado pelo diretor inglês Peter Brook em 1985, que ele renasce. Foi nos mitos que ele, Antunes, reencontrou um ``mundo maravilhoso", em oposição ao limitado mundo real, hoje.
A história de Gilgamesh, que ganhou uma versão inteiramente nova do diretor, pode ser encontrada nas livrarias em duas edições recentes, ``A Epopéia de Gilgamesh" (ed. Martins Fontes, 1992) e ``Gilgamesh, Rei de Uruk" (ed. Ars Poetica, 1992).
A seguir, declarações do diretor sobre ``Gilgamesh", retiradas de uma entrevista.
Fonte da juventude
Você pode fazer uma ligação de ``Gilgamesh" com o Brasil através da fonte da juventude. Dá para levar isso até Moisés, dá para levar a Alexandre o Grande, que procurava a fonte, dá para levar até Fernando e Isabel, ou Ponce de León, que dizem, há muitas fofocas da época, que estava procurando no Caribe a ilha que teria a fonte da eterna juventude. Dizem que Isabel e Fernando patrocinaram as viagens para a América por causa da fonte da imortalidade. Por aí você chega ao Brasil.
Ritual
Mas este ``Gilgamesh" também é uma outra coisa. É um ritual, é um ritual do homem e a sua ambição... Entender, entender... O homem tem que entender a ilusão disso tudo. Eu acho que eu ajudo espiritualmente, discutindo espiritualmente, o homem a se discutir. É uma tragédia, este épico.
E é isso aí o ``Gilgamesh": é um ritual, um outra coisa, não é um espetáculo de teatro. É uma representação em cima de um ritual. Como todo ritual, tem os símbolos, tem os mitos todos.
Causa e efeito
Eu procurei colocar causa e efeito em ``Gilgamesh". O poema não tem causa e efeito. A dramaturgia obriga à causalidade, obriga às leis de causalidade. No poema épico você vai apenas escrevendo. Então, o que eu fiz... Eu fiz do meu jeito. Tanto é que eu coloco lá, ``baseado", não vou colocar ``poema épico".
Mas os assiriólogos aí, que estão lendo, acham que está... muitos acham que é a melhor versão do ``Gilgamesh". Eles gostam muito. Porra, agora eles entendem até. Muitos estão entendendo o ``Gilgamesh" graças à minha adaptação. Eu sempre tive muito cuidado. Eu tomo muito cuidado com as coisas que eu faço.
``Mahabharata"
Eu estou lendo agora o ``Mahabharata". Estou lendo a adaptação do Jean-Claude Carrière (da montagem de Peter Brook) e o original. Eu quero, eu queria fazer o ``Bhagavad Gita", um dos volumes do ``Mahabharata".
Eu gostaria de fazer o ``Bhagavad Gita", mas eu não sei se tenho competência. Não sei se eu sei resolver o problema de ficar só na carruagem, lá no meio da batalha, e fazer todos aqueles levantamentos de consciência ética, do comportamento do homem. É muito bonito o ``Bhagavad Gita".
Mitos e lendas
Eu estou cada vez mais... Hoje em dia eu acho que os mitos e as lendas são muito mais interessantes. Eu estou acreditando mais naquilo. Ontem eu estava lendo um outro mito que eu quero montar e eu falei, para um amigo, ``porra, é muito mais interessante do que tudo o que está por aí".
E na verdade eu estou achando aquilo muito mais real do que isto que eu estou vendo. Parece que isto é um sonho e aquilo é real. Por que acontece isso? Porque lá você vê as coisas essenciais, vitais, do homem, no mito.
Vitalidade
A vida que eu estou levando, que a gente está levando por aqui, esfarela a todo instante. As relações se esfarelam. Está tudo se esfarelando. A fé no outro se esfarela. Você não pode contar com ninguém, você fica cada vez mais solitário e contando com os eletrodomésticos.
Pelo menos, quando eu vou ver o mito, eu vejo coisas vitais do homem. Quando eu vejo o ``Gilgamesh", eu vejo uma vitalidade, eu acho uma coisa linda. Essa grandeza trágica tem sabor, tem sal. O homem está tão materialista, está tão babaca, está tão pobre. Na mitologia, não.
Mundo maravilhoso
Na mitologia, porra, eu renasço. Aquilo me parece um mundo maravilhoso, extraordinário. Então hoje em dia eu estou só na mitologia. E o ``Mahabharata", se o Peter Brook não tivesse feito...
Mas ele já fez, então eu quero fazer o ``Bhagavad Gita" só, que é um dos trechos. Aquele em que eles estão no meio da batalha e está Krishna explicando para o outro, da consciência.

Próximo Texto: Para diretor, ator na televisão é `catástrofe'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.