São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 1995
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O petróleo é deles

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - A CUT orientou seus sindicatos a drenar recursos a um fundo de ajuda aos petroleiros -a partir desta semana, o contracheque dos grevistas vai vir em branco, o que, óbvio, tem um impacto psicológico.
Ao mesmo tempo, no Palácio do Planalto, o presidente Fernando Henrique Cardoso reafirmava em conversa com assessores sua intransigência diante dos apelos de negociação. ``Se eu ceder a um movimento ilegal, meu governo acabou", comentou numa conversa com auxiliares. O jogo de poder é claríssimo.
Seria uma desmoralização para a CUT, mais importante central sindical do país, patrocinar uma greve de tamanha repercussão e sair derrotada com humilhação. Politicamente, é compreensível: os dirigentes da CUT não querem aparecer como aventureiros responsáveis pela demissão de chefes de família.
Do outro lado, está o governo, que, embora preocupado com a escassez de combustíveis que obrigaria ao racionamento, vê sua sobrevivência em risco. Politicamente, também é compreensível: Fernando Henrique não quer aparecer como um presidente humilhado e derrotado diante de uma greve ilegal.
O governo manda dizer que aguenta a greve; o sindicato envia o mesmo recado, topa ir até o final. Enquanto isso, a opinião pública se atemoriza diante da perspectiva de falta de combustível.
Apesar de toda ansiedade e tensão, há uma magnífica lição a ser extraída do episódio -pela primeira vez, as camadas populares perceberam com nitidez como é perigoso manter monopólios, que, no limite, sempre usam a chantagem como mecanismo de pressão.
O slogan ``O petróleo é nosso" deveria ser levemente modificado. Sai a palavra ``nosso" e entra ``deles".
PS - Recebi ontem telefonema amargurado do escritor Emiliano José, autor de ótimo livro-reportagem sobre o capitão Lamarca. Aos 24 anos, Emiliano foi preso em Salvador, onde, durante dois dias seguidos, passou pelo pau-de-arara, afogamento, choque elétrico. No período em que estava preso, o chefe do DOI-Codi era o coronel Nilton Cerqueira. ``O que me dói é ver um ex-advogado de presos políticos, que sabia disso tudo, chamar o coronel Cerqueira para secretário de Segurança".

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