São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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A volta do messianismo

LUÍS NASSIF

A falta de serenidade da equipe econômica para enfrentar a crise está produzindo dois fenômenos -um cômico, outro trágico.
O cômico é a volta da manjadíssima retórica da transferência de culpas. Monte um plano econômico inconsistente, desmonte o equilíbrio externo do país e assista passivamente ao aumento da demanda. Depois, quando a situação ficar crítica, diga que a culpa é do consumidor que exagerou nas suas compras ou do empresário que cismou em crescer.
Depois de oito planos econômicos, esse ``joga-pra-ver-se-pega" já devia ter sido erradicado da retórica oficial.
Foi a equipe do real que destruiu os superávits comerciais, exclusivamente para abrir espaço para o dinheiro especulativo. Depois, demorou no combate ao aumento da demanda. No novo governo, errou bisonhamente na mudança do câmbio, derrubando o teto do dólar de R$ 1 para R$ 0,92.
Para não assumir seus erros, consumado o desastre na balança comercial, em vez de parar, analisar serenamente a situação e preparar a próxima etapa do jogo, o Banco Central toma as rédeas nos dentes e resolve partir para o tudo ou nada. Este é o dado trágico.
É puro escapismo. É a mesma reação do magricela que foi enfrentar Mike Tyson, quebrou duas costelas no primeiro assalto e decidiu ir para o tudo ou nada no segundo assalto. Não há nenhuma chance de fazer essa aposta neste momento.
Sem futuro
Politicamente, é inviável. A Argentina conseguiu segurar quatro anos o câmbio e impor sacrifícios pesados à população porque saíra de uma hiperinflação. Qualquer coisa que viesse depois seria refresco.
As pesquisas de opinião sobre o Plano Real revelam que, no auge do consumismo, uma parcela menor da população considerava que o real tinha melhorado bastante sua vida. Para a maior parte, embora torcendo pelo êxito do plano, a situação não se alterara significativamente. Se não chegaram a ver a cara do diabo, como os argentinos, como pretender que recebam passivamente o inferno?
Mesmo que a histórica passividade brasileira aceitasse esse jogo, tecnicamente não tem chance de ele dar certo.
Está-se em processo acelerado de redução das exportações de manufaturados. Antes da crise do México, a insistência do Banco Central em manter o câmbio nesses níveis poderia ser tratada por despreparo.
Depois de consumado o desastre, em diversas oportunidades o sr. Gustavo Franco reconheceu o erro, ainda que de forma defensiva -``a política cambial estava certa, a monetária é que estava errada". Como se entende que se mantenha a mesma situação, e que se aprofundem os desajustes comerciais, mesmo depois de a realidade ter demonstrado o erro da política de forma cabal?
Creme de leite
Dentro desse quadro, a aposta do tudo ou nada, tendo como creme de leite as taxas de juros, é suicida.
Os gênios do BC pensam o seguinte:
1) Taxas de juros estratosféricas jogam o país numa recessão.
2) A recessão desestimula as altas de preços e quebra as resistências de empresários e trabalhadores.
3) Instituída a paz do cemitério, o governo consolida o plano.
E param por aí. O que significa consolidar o plano? Como vai ser o dia seguinte? Expliquem-se. Apresentem claramente seus objetivos. Desenhem com honestidade o cenário que estão perseguindo, para que a opinião pública possa avaliar se as medidas estão no caminho correto ou não. Como vão fazer para o ajuste fiscal, se com esses juros o mero crescimento da dívida interna consumirá tudo o que vier a ser apurado com a privatização? Como pretendem partir para a desindexação final antes de resolver os desajustes da balança comercial?
Depois do desastre do Cruzado, o país não merecia de volta o messianismo na economia.

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