São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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Livro reúne cartas de Mário a Portinari

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

As cartas do escritor Mário de Andrade (1893-1945) para o pintor Cândido Portinari (1903-1962) estão sendo publicadas agora, no cinquentenário da morte do autor do romance ``Macunaíma".
Organizado e apresentado pela professora Annateresa Fabris, 48, ``Portinari, Amico Mio" (editado pela Mercado Editorial e pela Fundação Portinari) deve ser publicado no início do próximo mês.
São 60 cartas que estavam nos arquivos da Fundação Portinari, no Rio de Janeiro. A correspondência vai de março de 35 a dezembro de 44, dois meses antes da morte do escritor.
``Portinari respondia ao projeto estético de Mário de Andrade, que desejava uma arte nacional, moderna, com conteúdos humanos, mas enraizada na tradição", afirma Annateresa.
O livro atesta a importância e a intensidade da relação entre os dois artistas. ``O Mário foi uma espécie de irmão mais velho do meu pai, um protetor. Foi o primeiro intelectual que reparou na sua obra", afirma João Cândido Portinari, 56.
Annateresa acredita que a comparação entre a crítica de Mário de Andrade e sua correspondência evidencia como os relacionamentos pessoal e profissional se entrelaçam. ``Às vezes ele perde a dimensão efetiva da capacidade de Portinari", diz Annateresa.
Durante o relacionamento, Portinari presenteou Mário de Andrade com alguns quadros -um deles, um famoso retrato do amigo, feito em 1935 (foto ao lado). ``Você me revelou o meu lado angélico", afirmou o escritor.
Dessa relação de admiração profissional e deslumbramento estético nasceu a amizade, que perdurou até a morte do escritor. É verdade que, de acordo com as cartas, fica a dúvida se Mário de Andrade morreu desgostoso com o amigo.
Portinari definiu a Semana de Arte Moderna de 22 como uma ``brincadeira sem valor". Em cartas a terceiros, o escritor se queixou do comentário do amigo.
O livro também trata da rivalidade entre os dois maiores pintores brasileiros de então: Portinari e Lasar Segall (que nasceu na atual Lituânia). Os dois travaram um duelo nem sempre cordial.
Se no começo Mário de Andrade se deslumbrou com Segall -que apareceu antes e chegou ao Brasil com prestígio-, depois pendeu para Portinari. Andrade chegou a escrever que Segall era um ``medroso, cheio de coisinhas, não raro escondido na hipocrisia".
``Sempre faço uma diferença definitiva entre um grande artista admirável, como acho que ele (Segall) é, e você, que considero um criador genial", escreveu em 43, em uma carta a Portinari.
João Cândido diminui a importância da rivalidade: ``Havia ciúme, mas nada que pudesse ser levado a sério. Portinari admirava muito o Segall, e tenho certeza que o inverso era verdadeiro".
Mas a disputa entre os dois é o máximo de fuxico a que a correspondência se permite. Não há nada de picante, nem alusões ao homossexualismo do escritor.
``O Mário nunca entra nessa questão com Portinari, que era muito pudico", diz Annateresa.

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sobre as cartas de Mário de Andrade à pág. 5-3

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