São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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George Fenton recupera Handel

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não há nada mais insólito do que um filme sem música: reduzido ao som ambiental, ``realista", o cinema perde, paradoxalmente, um de seus maiores artifícios de ``realidade". É quase tão estranho pensar num filme sem trilha sonora quanto seria, agora, olhar pela janela e descobrir o mundo inteiro banhado de música, como se tudo tivesse, magicamente, se transformado em cinema.
A função da música no cinema tradicional vai desde a criação de um ambiente afetivo até a costura da narrativa e o comentário às cenas. Muito do que passa por música de filme não tem outra ambição que a de ajudar na hipnose da platéia, ou reforçar padrões de expectativa -um tema expressivo nas cordas para a cena de amor; uma sequência de acordes de sétima dominante quando o vilão dos desenhos animados fracassa.
Esta estranheza de pessoas e coisas vivendo com trilha sonora, cidades inteiras cobertas de canções, tem um nome antigo: melodrama, literalmente um drama com música. Neste aspecto, como em muitos outros, o cinema tradicional tem seu modelo numa forma teatral de fins do século 19. Na esteira do Oscar, a gravadora Sony está lançando um pacote de trilhas sonoras, com a música dos filmes ``A Loucura do Rei George" (ainda inédito no Brasil), ``Forrest Gump", ``Adoráveis Mulheres" e ``Lendas da Paixão".
Em ``Forrest Gump" é o piano pseudo-infantil, nas ``Lendas" é a combinação de flauta japonesa e violino de faroeste, e nas ``Mulheres" é o trompete festivo com os sinos de Natal: há sempre um ``personagem" sonoro, que reaparece wagnerianamente em temas espalhados do começo ao fim.Cada um vem amparado por colchões de cordas, acordes de harpa e, conforme for o caso, um clarinete melancólico ou bem-educado oboé. O resultado é kitsch -tão kitsch como os filmes.
São trilhas que, no contexto, cumprem sua função. Mas musicalmente, não resistem à escuta. Se os discos são feitos, e vendem tanto, não é por sua importância musical. Cada CD é um estímulo à memória do filme, uma coleção de fetiches que se coleciona menos para escutar a música do que para lembrar de Forrest Gump, ou de Winona Ryder. Fora da sala de projeção, essas trilhas são como cartões postais em forma de música, paisagens de um filme que ficou para trás. É por isto mesmo que as trilhas, via de regra, são tão frustrantes. Ainda mais estranho que um filme sem música é uma trilha sonora sem filme. É uma música à procura de imagens, que a memória sozinha não é capaz de suprir. O que nos entristece, e nos educa, é que essa mesma música, tão comovente antes, no cinema, aparece agora à luz do dia e se revela, como tanta coisa nesta grande arte, banal.

Disco: The Madness of King George
Autor: George Fenton
Disco: Forrest Gump
Autor: Alan Silvestri
Disco: Legends of the Fall
Autor: James Ilorner
Disco: Little Women Autor: Thomas Newman
Lançamento: Sony
Preço: R$ 20 (o CD, em média)

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