São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 1995
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O homem público Arida

LUÍS NASSIF

Figura singular, a do presidente do Banco Central, Pérsio Arida -alvo de críticas acerbas da coluna.
Convivi intensamente com a equipe do Cruzado, em circunstâncias que tornaram possíveis avaliações estreitas sobre o caráter de cada um. Com exceção do professor Belluzzo, não havia ninguém que se aproximasse da integridade pessoal de Arida. E ninguém que se aproximasse de seu talento e espírito público.
O Cruzado foi exclusivamente dele, com uma ou outra contribuição ocasional da equipe. O sucesso popular do plano fez com que aparecesse uma legião de pais, que se valeram do prestígio conquistado (à custa de Arida) para montar bancos ou controlar politicamente verbas de pesquisas acadêmicas.
Em nenhum momento Arida transigiu ou se deslumbrou. Recusou-se a ser sócio de banco, largou pelo meio duas propostas de consultoria e acabou arranjando um emprego com bom salário, mas que remunerava exclusivamente seu talento. Jamais se prevaleceu do prestígio público e do relacionamento com os homens que passaram a dominar a área financeira dos sucessivos governos.
Obsessão
Depois do desastre do Cruzado, encontrei-me várias vezes com ele. Enquanto seus colegas exibiam posturas filosoficamente cínicas, Arida era uma figura derrotada pelo fracasso do Cruzado.
Dou esse testemunho por uma questão de justiça, para que não se inclua Arida entre aqueles que vêem planos econômicos da perspectiva dos ajustes patrimoniais na economia.
Sua extraordinária vocação de homem público é sua grande virtude e, ao mesmo tempo, sua grande fraqueza. Principalmente quando a vontade transforma-se em obsessão e voluntarismo.
De um lado, porque o faz minimizar todos os sinais de alerta que encontra pelo caminho. As razões do Príncipe estão fazendo com que Arida -incapaz de transigir um milímetro em proveito próprio- sofisme, simplifique a análise, não responda claramente sobre as consequências das medidas que implementou ou planeja implementar.
Consequências
De outro lado, porque Arida é um intelectual em estado puro, com pouca afinidade com a parte operacional de políticas econômicas.
O episódio da mudança de câmbio em março foi exemplar. Criou-se um pandemônio gratuitamente. O caso da política de juros é outro. O controle do crédito é um instrumento potentíssimo. Se não se tiver experiência prática em utilizar o instrumento, fica-se na situação de Maguila desenhando em nanquim em casca de ovo. Liquidam-se milhares de empregos e empresas inutilmente, com uma dose de crueldade que vai muito além da margem de segurança que se quer obter.
Agora, com a proposta de desinercialização da economia, antes de se garantirem condições macroeconômicas mínimas, entra-se em fase de alto risco. Na grande revanche de Arida, está o destino e o bem-estar de milhões de pessoas e o risco de atrasar em mais uma década o desenvolvimento brasileiro.
Como figura íntegra que é, Arida deveria analisar bem seus próximos passos, antes de atravessar o Rubicão.

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