São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995 |
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Hans Magnus Enzensberger disseca "purê imaginário" da classe média
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Essa ``hegemonia cultural" da classe média e algumas de suas manifestações epidérmicas na vida cotidiana foram o tema debatido anteontem à noite pelo poeta, romancista, crítico cultural e ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger, que falou no Instituto Goethe de São Paulo para um público de aproximadamente 200 pessoas. O tema programado para o debate era outro. Enzensberger deveria falar sobre seu livro ``Guerra Civil", lançado recentemente no Brasil pela Cia. das Letras. Optou por recuperar aspectos de seu ensaio ``Mediocridade e Loucura", que dá o título de outro livro seu, recém-lançado aqui pela Ática. A classe média, disse Enzensberger, é a ``vanguarda da mediocridade". Ela absorveu em seu ``purê imaginário" a alta cultura burguesa e a baixa cultura proletária. Hoje, burgueses e operários não têm projetos de vida alternativos. Eles imitam a classe média. Os primeiros compram carros um pouco mais caros e erguem palacetes em Miami. Os últimos se desdobram para pagar as prestações da geladeira. Mas o horizonte de ambos é sempre o mesmo. Todos almejam aquela minúscula e boçal felicidade que aparece, por exemplo, no rosto de cada motorista exibindo seu celular pelas ruas de São Paulo. Como escreve Enzensberger, ``essa sociedade é medíocre. Medíocre são os seus donos do poder e suas obras artísticas, seus representantes e seu gosto, suas alegrias, sua opinião, sua arquitetura, seus meios de comunicação, seus vícios, sofrimentos, costumes...." O tema da ``guerra civil" acabou vindo à tona através das intervenções dos dois convidados brasileiros presentes, o crítico literário Roberto Schwarz e o historiador Nicolau Sevcenko. Tomando como pano de fundo de sua exposição o livro ``O Colapso da Modernização" do alemão Robert Kurz, Schwarz retomou a análise da ``guerra civil" descrita por Enzensberger. Essa ``guerra civil", às vezes aberta e declarada mas muitas vezes microscópica e invisível, surge por toda parte como resposta à nova ordem capitalista, que está deixando de ter a capacidade de explorar o trabalho para simplesmente prescindir dele. O resultado, como notou Schwarz, são as reações destrutivas e autodestrutivas que pipocam nas mais variadas manifestações dos excluídos. Elas podem tomar o aspecto de um conflito étnico ou aparecer na forma compulsiva com que os habitantes da periferia de uma grande cidade quebram um telefone público. Ou, como escreve Enzensberger, ``nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo". Se o seu diagnóstico é certo, é certo também que dias piores virão. Texto Anterior: Sociedade Brasileira de Ópera faz cinco recitais na Sala São Luis Índice |
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