São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Movimento foi contraponto à Semana de 22

MÁRIO CHAMIE
ESPECIAL PARA A FOLHA

A primeira análise sistemática do significado histórico da Geração de 45 é de autoria de João Cabral de Melo Neto.
Em 1952, numa série de quatro artigos ("A Geração de 45), João Cabral deu unidade conceitual às opiniões isoladas dos críticos que encontraram em alguns livros de poemas, publicados de 1944 a 1945, mudanças de "ordem estética no curso da poesia moderna de 1922.
Foram esses livros: "Mundo Submerso (1944), de Bueno de Rivera, "O Engenheiro (1945), de João Cabral de Melo Neto, "Ode e Elegia (1945), de Ledo Ivo, "Rosa Extinta (1945), de Domingos Carvalho da Silva e "Poesias (1945), de Rangel Bandeira, além de "Predestinação (1945), de Geraldo Vidigal.
Entre os críticos, Alceu Amoroso Lima, Alvaro Lins e Sérgio Milliet fortaleceram o ponto de vista de que esses autores jovens selavam a reconciliação do passado renegado de 22 com as conquistas revolucionárias do próprio modernismo.
Alvaro Lins ("Correio da Manhã, 22/02/1946) explicava: "O que era revolucionário em 22 era o informe, o desordenado, o caótico, o à-vontade, da expressão; o que é revolucionário hoje é o senso da forma, a construção artística, a preocupação com a arte de escrever, o estilo.
A reconciliação entre estilo (volta aos gêneros poéticos, regras teóricas, culto à tradição) e informalidade não conferia àqueles então jovens poetas o estatuto de criadores de uma poesia, originalmente, autônoma frente à de 22. Tanto que Alceu Amoroso Lima os chamou logo de neomodernistas, estendendo o rótulo de neomodernismo à etapa evolutiva que, nos limites de 22, passariam a representar.
A denominação "neomodernismo incorporou-se, inclusive, à plataforma do número inicial da "Revista Brasileira de Poesia (dezembro de 1947), primeiro órgão oficial do grupo. O nome Geração de 45, por sugestão de Domingos Carvalho da Silva, só veio a consolidar-se em 1948 ("Correio Paulistano, 8/5/48 e 13/5/48).
A Geração surgia, portanto, como revisão e retomada da poesia modernista, no momento em que esta transitava de seu combate ao passado para a estabilização presente de suas conquistas.
Mário de Andrade tornou-se a consciência crítica dessa passagem, ao denunciar a "desritmização boba dos adeptos do verso-livre, e ao localizar na obra dos poetas de 30 (ele próprio com "Remate de Males, Drummond, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, os "convertidos Murilo Mendes e Jorge de Lima) a possível saída para uma poesia de construção estética mais definida. Mário de Andrade morreu em 1945, ano em que prefacia o livro "Predestinação, de Geraldo Vidigal, poeta do novo momento.
Nesse quadro, o estudo de João Cabral é exemplo raro de reflexão ensaística, no Brasil. Como Mário, parte dos poetas de 30 e atribui a seus companheiros neomodernistas o papel histórico de "estenderem as conquistas de 22.
Diz João Cabral: "O fato de constituírem uma geração de extensão de conquistas, muito mais que uma geração de invenção de caminhos, é o que melhor me parece definir os poetas de 45. (...) Para o poeta de 30 já não havia necessidade de criar novas formas para opor, no combate, às formas antigas que queriam desmoralizar, atitude evidente nos modernistas de primeira hora. Os poetas de 30 encontraram as formas velhas já desmoralizadas e nenhuma forma nova que as substituísse.
O que João Cabral entende por "extensão de conquistas, Péricles Eugênio da Silva Ramos ("Poesia Moderna, antologia, Edições Melhoramentos, 1967) transforma em construtivismo formalizante. Para Péricles, depois dos poetas de 30 (fase de "autodeterminação), os poetas de 45 iniciaram a "fase construtivista da nossa poesia moderna.
Diz Péricles: "Por volta de 1945, alguns poetas que estavam surgindo aceitavam o convite de trabalho que era a pregação de Mário de Andrade e procuraram atingir, com o exemplo de Valéry uns (João Cabral), com a doutrina estética de Croce outros (Domingos Carvalho da Silva), uma poesia de expressão nítida, em que o sentimento se resolvesse em imagens.
Acentua: "Nessa fase construtivista se procurou dar maior densidade à expressão poética, sem perda nenhuma das conquistas anteriores... É uma fase de ordenação, na qual se incentivaram as pesquisas formais, os estudos de teoria e técnica literária, a reavaliação do nosso patrimônio literário. Conclui: "Construtivista foi também o grupo dos poetas concretos, que surgiram praticamente à sombra da Geração de 45 e de seu espírito de pesquisa formal.
Assim, Geração de "extensão de conquistas, positiva e negativamente, os poetas de 45 contribuíram para estabelecer alguns balizamentos no curso da poesia brasileira deste século. São balizamentos de contraponto e continuidade.
Ao espontaneísmo de 22, opuseram competência tecnicista de extração neoparnasiana; contra o coloquialismo verbal, ergueram o culto nobre da palavra ("insólita, segundo Bandeira); substituíram o predomínio folclórico dos temas nacionais pelas grandes linhas universalistas da tradição e da modernidade literárias.
Introduziram no Brasil a divulgação sistemática dos grandes nomes da poesia ocidental (dos gregos aos contemporâneos), sob o ofício disciplinado da tradução e do espírito "up to date da informação nova. Cabe a Péricles Eugênio, Dora Ferreira da Silva, José Paulo Paes, Jamil Almansur Haddad, Geír Campos, Oswaldino Marques e outros o mérito de terem posto em circulação autores que, hoje, são a referência "cult na formação dos jovens poetas.
Essa trajetória "extensiva da Geração, com seus resíduos e ressonâncias é captada e recriada, verbal e visualmente, pelos painéis magistrais com que Emilie Chamie concebeu e realizou, para o Sesc São Paulo, a exposição comemorativa dos 50 anos de 45. Os painéis de Emilie, em folhas de poliéster semitransparente, formam páginas suspensas de um grande livro em que se conjugam textos e elementos iconográficos.

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