São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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(o)caso da namoradinha

SÉRGIO DÁVILA

"Somos todas uns anjinhos pornográficos, uma contradição entre ingenuidade e sedução", completa. Mais direto foi o "ombudsman de televisão" José Simão, colunista da Folha: "As Engraçadinhas deram um show de `intertrepação'!
Sutiã apertado
Nas linhas de Nelson Rodrigues, Engraçadinha era "só sexo e seu olhar, seu sorriso, seu andar, seus quadris, vinham pesados de voluptuosidade". Ou, como prefere Claudia Raia (que viveu o personagem aos 38 anos), "um grande seio, que tenta escapar de um sutiã apertado".
Alessandra Negrini mostrou que se encaixava em ambas as definições. Mas não foi fácil. "Ela acordou coisas dentro de mim", diz, enigmática.
É quase uma estreante, o que impressiona mais. Antes do papel que lhe rendeu elogios na crítica -de "primorosa" a "surpreendente"-, fez duas pontas na Globo. No teatro, profissionalmente, "Becket in White - A Comédia, ainda em cartaz. E dois curtas.
Filha do engenheiro Luís Eduardo e da pedagoga Neusa, classe média, a paulistana Alessandra Vidal de Negreiros Negrini mudou cedo para Santos. Tem dois irmãos, mais novos, Regina Márcia, 17, e Paulo Roberto, 23 (por quem ela garante nunca ter sentido nada).
"Aliás, poucas são as situações vividas por Engraçadinha que coincidem com as minhas", diz. Assédio homossexual? "Já teve uma menina apaixonada por mim. Foi legal, eu gostava muito dela, aceitei o que sentia, mas não senti igual."
Infidelidade? "Não gosto da fidelidade babaca. Dá para você amar mais de uma pessoa. O importante é não fragilizar quem está a seu lado". O resto está fora de questão.
Engraçadinha é ela?
Hoje, Alessandra mora sozinha no Paraíso, zona sul de São Paulo, num dois-por-andar careta, "herdado" dos pais, que ainda moram no litoral. Fez oito meses de teatro com Antunes Filho -"é complicado, ele não se adapta a todo mundo, nem todos se adaptam a ele"-, que lhe deu "a base" de sua formação como atriz.
Sempre brincou de teatrinho ("no prédio, na escola"). Lembra particularmente de duas peças que escreveu, pequena, uma sobre um detetive, outra que se passava num avião. Cursou um ano de Jornalismo e dois de Ciências Sociais. Parou tudo para ser atriz.
A diretora Denise Saraceni, que a chamou para a série, diz: "Ela merece o sucesso. É uma atriz e profissional maravilhosa". É verdade. Isso sem se levar em conta todo aquele arcabouço. Alessandra é mignon.
Tem os cabelos negros lisos, olhos castanhos brilhantes e coxas grossas (cobertas por uma leve penugem, um detalhe). Seus seios são miúdos, mas firmes, desafiadores.
Quando está nervosa ou excitada, coloca o dedo mínimo do pé esquerdo sobre o seu-vizinho. A naturalidade com que produz a risada que a deixou famosa na televisão, entre maliciosa e ingênua, faz pensar: Engraçadinha é ela?
"Não", diz. "Ela é amoral, e eu não sou". Pára um pouco. "Só quando interpreto. Interpretar é ser amoral". Escarafunchando um pouco mais, decide: "Já fiz pequenas sacanagens, provocações ao sexo masculino". E dá aquela risada.
Ela se acha sedutora (é). Namoro terminado, está "numa fase brincalhona", de "brincar de seduzir". Alessandra é vaidosa. Às vezes, se vê bonita e sexy. "A beleza acompanha o que sou, o sexo nunca me abriu portas. Uma vez, fechou."
Anticrioulo do Grapette
Ela gosta de sair com amigos, comer fora, ir a festas. E adora gatos. Lua, mais especificamente, aquela pequena messalina no cio. Sente saudade dela -neste momento, a atriz passa um mês de férias em Londres- e a trata como gente.
Sobre o novo conceito de namoradinha, do qual é alter-ego, Alessandra explica: "Hoje em dia, a mulher mais admirada é aquela que é dona de seus desejos. A mulher poderosa agrada mais".
Coincidência ou não ("Deus está nas coincidências!, bradaria Nelson Rodrigues), Alessandra Negrini vive em sua própria casa uma situação anticrioulo do Grapette.
(Segundo Rodrigues escreveu nos anos 60, a nudez feminina, por generalizada, não excitava mais os homens. E citava o caso do crioulo, que vendia o refrigerante Grapette na beira da praia a uma mulher escultural, quase nua em seu biquíni. Entediado, o rapaz não esboçava reação, não movia um músculo.)
Pois bem. Na saída do apartamento de Alessandra, há uma cabine de vigia. No turno da noite, o atarracado Edmilson faz plantão. Para não dormir, leva sempre uma televisão portátil. Edmilson assistiu a todos os capítulos da série "Engraçadinha".
Com uma cara satisfeita, o guarda-noturno diz: "Gostei da Alessandra no papel". Cala-se. Olha para o Escort azul metálico da atriz, placa BIG, estacionado em frente ao prédio. Pensa mais um pouco. E reforça, olho rútilo: "Gostei muito da Alessandra como Engraçadinha".
O pornógrafo exultaria.

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