São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Ação criminosa

FRANCISCO URBANO ARAÚJO FILHO

No último dia 25, a Folha publicou matéria intitulada ``Usineiros destroem casas e criam favelas". A reportagem alerta as autoridades para a ação perversa de um segmento do empresariado do setor sucroalcooleiro, um dos mais subsidiados com os recursos públicos. O descompromisso desse setor com as questões sociais em uma região das mais carentes do país exige do poder público uma revisão do tratamento a ele dispensado.
Não se cobra a eliminação do subsídio, pois entendemos que a agricultura é uma atividade de alto risco e que exige respaldo econômico e financeiro do poder público. Entretanto, é preciso que esses investimentos tenham retorno social, gerem empregos e colaborem para melhorar o padrão de vida dos homens e mulheres do campo.
O que se constata nas usinas de cana-de-açúcar do Nordeste, não só em Pernambuco e Alagoas, mas também em outros Estados da região, é uma relação espúria e incompatível com a pregação de modernidade do empresariado.
O que se vê são os empresários empurrando milhares de trabalhadores para os bolsões de miséria instalados nas periferias dos centros urbanos e contribuindo diretamente para o aumento da violência e agravamento dos problemas sociais, tanto no campo quanto nas cidades.
Quando o Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais exige acordos coletivos de trabalho, respeito aos direitos trabalhistas, sociais e previdenciários e reivindica uma ação enérgica do poder público para coibir os abusos patronais, o empresariado responde com mais violência, com assassinatos seletivos de trabalhadores, líderes e seus aliados.
Há, por que não dizer, um avanço criminoso da prática escravagista, envolvendo homens, mulheres e, sobretudo, crianças nas lavouras canavieiras nordestinas. Pesquisa do Centro Josué de Castro revela que 30% da mão-de-obra na cultura da cana-de-açúcar são de crianças e adolescentes, entre sete e 17 anos de idade.
Em vez de estarem nas escolas, somente em Pernambuco cerca de 70 mil jovens são empurrados pela necessidade de elevar a renda familiar ao trabalho precoce, preservando um ciclo de exploração existente há 400 anos na região.
Nada justifica a ação criminosa do empresariado contra os assalariados da cana-de-açúcar, principalmente a derrubada de suas casas, como recurso para fugir das obrigações trabalhistas e afrontar a Lei do Sítio.
A lei 4.870/65 estabelece que 1% sobre o preço oficial do saco de açúcar, 1% sobre o valor oficial da tonelada de cana e 2% sobre o valor oficial do álcool -percentuais embutidos no preço final desses produtos- sejam aplicados em programas de assistência social aos trabalhadores.
Esses programas prevêem a instalação de creches, fornecimento de merenda escolar, construção de escolas e financiamento à pequena produção. Onde estão estes recursos? Há muito os trabalhadores buscam a resposta para essa indagação e nem mesmo o poder público foi capaz de esclarecer.
Quando empresários e governo falam da necessidade de reestruturação do setor sucroalcooleiro, nós, trabalhadores rurais, entendemos que esta é uma providência urgente.
É imprescindível rever as relações de trabalho, ter uma fiscalização atuante que impeça o desrespeito aos direitos conquistados pelos assalariados, a aplicação adequada e o retorno social dos recursos públicos.
É preciso pôr fim a este comportamento retrógrado do empresariado e omisso do Estado que contribui para o agravamento da crise socioeconômica, em um país onde aqueles que podem e querem plantar ainda passam fome.

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