São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995 |
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Moda fica confinada a `universo encantado'
ESTHER HAMBURGER
O ``A Go-Go" pretende ser um programa de moda não-convencional. Começou optando por mostrar só desfiles e estilistas made in Brazil. Tem pretensões de discutir assuntos. Entrevistar gente. Pesquisar história. Além do formato, a linguagem moderna -estilo MTV, em versão lenta- o distingue de outros programas, como o quadro de Cristina Franco aos sábados no telejornal ``Hoje". Mas a diferença ainda não é de alma. ``Como o poeta, o costureiro é apenas o porta-voz de uma corrente que se esboça e cuja tomada de consciência antecipa", adverte Gilda de Mello e Souza em seu lindo estudo ``O Espírito das Roupas", lançado pela Companhia das Letras. Com esse trabalho pioneiro, escrito na década de 50, mas publicado somente nos anos 80, a autora buscou desfazer o carma de futilidade que ronda a moda. Hoje, a perspectiva da ensaísta é compartilhada pelas pessoas nas ruas, dentro e fora dos estúdios. Marina, uma das poucas outsiders do fashion world entrevistadas no programa da última terça, foi sugestiva. Um pouco de acordo com o costureiro-intérprete a que se refere Gilda, Marina fala de moda enquanto forma de expressar significados. Para ela, estilos de se vestir expressam o nosso tempo. A roupa, assim como a música, traduz. É como um depoimento. Traz dicas sobre pessoas e tribos. Aproveitando o gancho de Marina, teria sido interessante explorar concretamente como diversas tribos se identificam na cidade. Quais são as cores, linhas e texturas? Para um programa sobre moda, faltou falar de tecido, cortes e costuras. Ouvimos muito da opinião mais que suspeita dos próprios fazedores oficiais de moda sobre a existência ou não de um caráter nacional. Ficamos sem saber o que exatamente isso significa. Aonde eles se inspiram para criar suas coleções? Como escolhem seus materiais? Não foi possível reconhecer nenhuma chita entre os modelos mostrados. Tivemos o privilégio de ver Claudia Liz desfilar com exclusividade. Vimos as cores e texturas maravilhosas do trabalho das costureiras da rocinha. Mas não tivemos a oportunidade de ver ou ouvir nenhuma delas sobre tonalidades, samba e urbanidade. No seu transnacionalismo, a moda tem dialogado com o provincianismo, estimulando contribuições e estilos étnicos. Nas campanhas da Benetton, ela está carregada de identidades exóticas e minorias discriminadas. A moda polariza porque já não se restringe ao luxo excessivamente caro do costureiro exclusivo. Há muito assunto nas maneiras pelas quais essa moda chega e vem das ruas, antecipando mudanças estéticas. Talvez seja bom ir fundo na vida que está além das passarelas, da Rocinha ou do Phytoervas. Texto Anterior: Espírito aberto aproxima pessoas Próximo Texto: Clouseau faz sua despedida Índice |
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