São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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`A criança solitária e triste do livro sou eu'

ESPECIAL PARA A FOLHA

Jules Feiffer escreveu seu primeiro romance em 1963: ``Harry the Rat With Women". A versão em desenho animado de seu livro ``Munro" ganhou o Oscar: um menino é convocado por engano pelo Exército, que se recusa a corrigir o erro e o trata como soldado.
Em 1956, escreveu um livro antológico sobre quadrinhos: ``The Great Comic Book Heroes". Ganhou o Prêmio Pulitzer, em 1986, por seus cartoons.
Em outubro, vai publicar outro livro infanto-juvenil: ``A Barrel of Laughs, A Vale of Tears".

Folha - ``O Homem no Teto" é autobiográfico?
Feiffer - Sim e não. O menino talvez seja eu, que tinha dificuldades de relacionamento com outros meninos e me refugiava num mundo próprio de sonhos e fantasias. A irmã seria a junção das minhas duas irmãs. O resto é invenção. Os pais dele nada têm a ver com os meus. E o tio é invenção total. Mas a criança solitária, triste, retraída, fui eu. Como tantas outras crianças aos oito ou dez anos.
Folha - Seu livro é escrito e ilustrado por você? Os gibis desenhados pelo menino têm um estilo diferente...
Feiffer - São meus também. Eu ainda tenho uns dez ``comic-books" que eu desenhava e vendia na escola. Procurei na minha papelada e usei alguns. Copiei meu próprio estilo, quando desenhava aos 8 ou 10 anos e criei novas histórias, novos personagens. Recriei apenas o estilo. Inventei novos super-heróis.
Folha - E você não tinha acesso a essas coisas?
Feiffer - Tinha sim. Lia muitos livros, ouvia rádio e ia ao cinema. Lia e desenhava gibis. Mas naquele tempo o cinema era um escape. A maioria dos filmes de hoje cheiram mal. São violentos demais e o sexo é distorcido.
Veja que hipocrisia: ``Ânsia de Amar" (Carnal Knowledge), que focalizava o sexo de maneira honesta não foi indicado para o Oscar. Nem meu roteiro, nem a direção de Mike Nichols, que era meu amigo desde a juventude. Só Ann-Margret foi indicada e ganhou.
Folha - Não vai mais escrever para o cinema?
Feiffer - Para Hollywood, definitivamente não. Mas vejo os outros cinemas. Existe vida inteligente na sétima arte fora da Meca do Cinema. O cinema era um escape da realidade, hoje é um escape para Auschwitz!
Folha - Você desenhou quadrinhos, desenho animado, escreveu novelas, peças, roteiros de cinema e literatura infanto-juvenil. O que é melhor?
Feiffer - Estou me divertindo muito escrevendo para crianças. Os meninos e as meninas vivem num mundo muito triste e solitário. Têm dificuldades com as outras crianças, a escola, os professores, os pais. Eles se sentem melhor quando vêem um personagem num livro que tem os mesmos problemas que eles.
Folha - Seus problemas quando criança...?
Feiffer - Hoje é pior. O mundo piorou muito. Os sonhos infantis eram embalados pelas histórias em quadrinhos, o rádio e o cinema. Hoje está tudo pior e mais difícil para as crianças. Antigamente, a vida real era uma coisa e a ficção nos impressionava. Atualmente a vida real é que é assustadora.
Folha - Você trabalhou como assistente de Will Eisner?
Feiffer - Fui procurá-lo em seu estúdio. Ele não gostou dos meus desenhos nem do meu texto. Mas eu era tão fanático por ele, que não teve que me empregar.
Folha - Trabalhou anos...
Feiffer - Até 1946. Quando Will voltou da guerra disse a ele que os scripts que ele fazia antes eram melhores que os da volta da hecatombe. Ele disse: ``Então escreva você".
Folha - E você escreveu?
Feiffer - Corri para as velhas revistas e comecei a escrever imitando o estilo dele. Deu certo. Escrevi quase todas. Ele aprovava algumas, rejeitava outras. Reescrevia tudo ou parte, mas foi meu melhor período nos estúdios de Will.
Folha - É bom ganhar dinheiro escrevendo?
Feiffer - (Ri) Livro infantil vende muito. Novas gerações sempre aparecem.

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