São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Montagem francesa esbanja nostalgia

Filme foi última surpresa de Cannes

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O tradicional filme-surpresa do último dia de Cannes-95 foi ``Os Filhos de Lumière" (Les Enfants de Lumière), a segunda produção francesa oficialmente dedicada a celebrar o centenário do cinema. Pierre Philippe assina a direção, com o independente Jacques Perrin servindo de produtor e os diretores Claude Sautet, Alain Corneau e Claude Miller figurando como ``padrinhos".
É a versão em filme de montagem da homenagem à efeméride trabalhada ficcionalmente por Agnès Varda em ``As Cento e Uma Noites do Cinema", lançado durante o festival de Berlim, em fevereiro último. O resultado aqui é claramente superior, ainda que não chegue a empolgar.
``Os Filhos de Lumière", ao contrário da obra de Varda, restringe-se à história do cinema francês. Seus 109 minutos são reservados a imagens mais ou menos conhecidas. A estrutura não é cronológica.
As cenas, sempre de curtíssima duração, articulam-se geralmente segundo critérios temáticos. A cascata de mais de 500 trechos de cerca de 400 filmes é posta em movimento pela célebre saída da fábrica Lumière em Lyon que inaugurou as filmagens em março de 1895.
Dois filmes e dois personagens ausentam-se por problemas na negociação dos direitos autorais: ``O Diabo no Corpo", de Claude Autant-Lara, e ``A Noite Americana", de François Truffaut, e ninguém menos que Georges Méliès e Louis Feuillade. Mais de um terço do orçamento total de cerca de US$ 4 milhões serviu para pagamentos desses direitos.
Os Lumière são sucedidos por um bloco dedicado a bastidores e claquetes. Celebra-se depois o cinema histórico, do ``Napoleão" de Abel Gance ao ``Danton" de André Wajda, entre outros. A infância, a comédia, a justiça, o teatro, a guerra, o amor, o campo, as férias, o filme colonialista e o pós-colonialista, a comida e Paris destacam-se entre as etiquetas ilustradas.
As transições se fazem no mais das vezes devido à continuidade gráfica das imagens. Uma sempre breve narração em ``off" comenta os trechos. Um excessivo nacionalismo escapa aqui e acolá. O som original dos filmes nem sempre é respeitado. Por vezes, a trilha musical encomendada a Michel Legrand abarca vários trechos.
Não há maiores preocupações com fidelidade: as cenas escolhidas são livremente retrabalhadas passando a servir a uma obra nova e autônoma, semelhante ao que Jean-Claude Bernardet faz em seu superior ``São Paulo, Sinfonia e Cacofonia". A idéia, precisa o próprio Philippe, era permitir ao espectador ``entrar no cinema francês e não mais deixá-lo sair, fechando uma porta, mas abrindo logo outra, com o objetivo de evitar a compilação e privilegiar a fluidez da montagem".
Em geral, os episódios temáticos são breves demais. Anunciam conjuntos mais que os desenvolvem. ``Os Filhos de Lumière" parece mais um imenso trailer dos cem anos de cinema na França do que uma efetiva reflexão através de um filme de montagem. Ao fim, fica certa sensação de vazio nostálgico.
Em ``Os Filhos de Lumière" falta a teoria de ``Duas Vezes Cinquenta Anos de Cinema Francês" de Anne-Marie Miéville e Jean-Luc Godard, produzido pelo British Film Institute (BFI) e lançado em Cannes.

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