São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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No Rio, apenas um caso de polícia

ROMEU TUMA

Parece evidente que qualquer análise da situação criminal no Rio de Janeiro deva considerar, de início, a presença (ou ausência) do Estado nos bolsões de pobreza e marginalização que se convencionou chamar de favelas.
Entretanto, o desprezo de outros aspectos cruciais do problema, como acontece, indica que a busca de soluções imediatas pode estar sendo neutralizada pela promoção pessoal ou pela exploração política da chaga que aterroriza a metrópole mais bela do mundo.
A fragilidade da segurança pública no Rio de Janeiro não é exceção dentro do contexto nacional. A violência e a miséria ali adquirem maior relevância por acontecerem em meio a uma paisagem magnífica, que acentua o contraste entre o que é rico e o que é pobre.
De qualquer forma, os caminhos para conter a criminalidade a curto prazo não transcendem, por enquanto -apesar dos esforços em contrário-, os limites da técnica policial.
Quantos são os traficantes alojados nas favelas cariocas? Milhares? Centenas? Não. Contam-se em algumas dezenas. Ou será que todos os favelados são bandidos? Quantos são os sequestradores em todo o território do Estado do Rio de Janeiro? Também não ultrapassam a casa das dezenas.
Qual é o efetivo da polícia carioca? Sabe-se que hoje, entre policiais civis e militares, o governo ali dispõe de 38 mil homens, numa proporção arrasadoramente desfavorável ao crime. Está previsto o aumento desse efetivo para quase 62 mil policiais, em breve.
Portanto, do ponto de vista repressivo, os meios humanos são e continuarão a ser quantitativamente mais que suficientes. Além disso, definir a violência carioca como crime organizado é incorreto e temerário, pois essa nomenclatura designa uma estrutura muito mais complexa, fundada em rígida cadeia de comando e dotada de meios destinados, por exemplo, à lavagem de dinheiro em grande escala.
Se a violência não arrefece, é óbvio que devam existir deficiências qualitativas profundas nas fileiras policiais. Essas deficiências decorrem da corrupção e do despreparo profissional, ambos se realimentando num círculo vicioso que é causa e efeito da tragédia carioca.
Diz a ciência que a função faz o órgão na escala da evolução. Assim, por exemplo, quando se tem um olho deficiente, a tendência do organismo é exigir mais e mais do outro, o bom, abandonando paulatinamente o ruim, que se atrofia.
A mesma coisa acontece, mais ou menos, em termos sociais. E a polícia carioca está doente, assim como outras pelo Brasil afora. Precisa de ajuda, de socorro e não de desprezo. Não podemos permitir que se destrua, pois não há nada que a substitua em seus fins.
A polícia surgiu para garantir os direitos do bom cidadão, cuja força verdadeira não deve estar condicionada ao porte de uma arma ou à própria compleição física. Essa é a função que lhe deu origem. Como a sociedade não está presa às leis genéticas ou a metáforas, devemos reestimular aquele órgão para que volte a funcionar plenamente.
O crime sempre obedece a determinados padrões. Daí, em contrapartida, ter surgido a técnica policial. Salta aos olhos que a criminalidade carioca enquadra-se naqueles padrões. É, portanto, simplesmente um caso de polícia.
Deve ser tratada com a técnica policial, começando pela investigação, isto é, pela identificação dos criminosos e pela coleta de todas as informações que levem a sua prisão e apresentação, com provas, à Justiça.
Obtidos tais dados, aí sim se pode estabelecer o plano repressivo com esperança de sucesso. Sem saber com certeza quem é quem no submundo do crime e onde estará num determinado momento, não adianta atacar a esmo, confiando na sorte.
Afinal, o Rio não é uma selva, nem está enfrentando guerra civil. Os resultados inexpressivos das operações aparatosas, feitas às cegas, estão a demonstrar ausência de levantamentos preliminares corretos, assim como quão inútil é desengavetar planos antigos e considerá-los adequados ao momento.
A corrupção tem que ser combatida pelo governo carioca com todo o rigor, pois policial desonesto não é apenas corrupto e muito menos policial: é bandido. Pior ainda quando a desonestidade ultrapassa os parâmetros da corrupção e faz o policial desonesto participar diretamente das quadrilhas, como vem acontecendo.
Entretanto, de nada adiantará esse combate se não estiver acompanhado da valorização dos honestos -formação técnica, apoio do Ministério Público e da Justiça e reconhecimento, por meio de salários melhores e outros incentivos- para que os policiais voltem a orgulhar-se de sua profissão. O maior estímulo a quem trabalha por vocação é poder comemorar o sucesso ao final de cada missão.
Sob o aspecto do aprimoramento técnico e da resultante valorização dos órgãos policiais, a União deve socorrer não só o Rio de Janeiro, como outros Estados. Por exemplo, temos uma Academia Nacional de Polícia ociosa, mas plena de recursos humanos, suficientes e capazes para esse apoio.
Deveria ser ativada já para acolher e doutrinar policiais estaduais, ao lado de futuros membros da Polícia Federal. Voltaria a ser importante pólo irradiador de conhecimentos e formação técnica, que minguam em muitos Estados.

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