São Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1995
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A espada de Dâmocles

ADROALDO STRECK

Muitos países do mundo, por falta de recursos próprios para programas de expansão, estão abrindo ou tornando flexível o monopólio das telecomunicações. Os tigres asiáticos e o Japão, para aumentar em apenas 17% o número de linhas telefônicas instaladas, teriam de desembolsar US$ 90 bilhões.
Um gigante como a Deutsche Telecom acumula dívida calculada em US$ 62 bilhões e precisa de outros US$ 36 bilhões para continuar seus investimentos na ex-Alemanha comunista.
Na Itália, a estatal Telecom, controlada pela holding denominada Stet (Societá Finanziaria Telefonica), caminha para um processo de privatização, com a venda da participação acionária do governo imediatamente.
Na Espanha, os serviços de telecomunicações são operados na forma de monopólio público pela Empresa Telefonica de España, da qual o governo detém 32% do capital. A Telefonica de España, a exemplo da Stet italiana, trata da abertura de capital à iniciativa privada, mantendo a presença do governo em qualquer circunstância por meio das ``ações de ouro" (``golden shares").
Assim como a maioria dos países europeus, a França iniciou a reestruturação das telecomunicações, hoje 100% nas mãos do Estado. O processo de liberalização ao ingresso de capitais privados poderá ocorrer antes de 1998, para que a France Telecom e a Deutsche Telecom, em parceria, comprem a empresa norte-americana Sprint Corporation.
A Inglaterra privatizou a British Telecom em 1982, dentro da política de venda de participações acionárias do governo ao setor privado, com o objetivo de diminuir o déficit público.
Ao contrário da Europa, onde tudo é feito com cautela, a América Latina coleciona exemplos de privatização de serviços telefônicos convencionais feitos de forma açodada.
A Telmex Mexicana teve seu controle acionário (51%) vendido por US$ 1,8 bilhão à operadora norte-americana Southwestern Bell, à France Telecom e ao grupo mexicano Corso. Num negócio de tal envergadura, US$ 1,8 milhão é troco.
A Argentina dividiu a estatal Entel em duas entidades, que passaram a atuar nas regiões norte e sul. A parte do norte ficou com a Stet italiana, France Telecom, MP Mongan e a empresa local Companhia Pérez. O volume de dinheiro obtido foi de US$ 100 milhões. A empresa operadora da região sul foi vendida a um consórcio formado pela Telefonica de España com o Citicorp e o banco Rio de La Plata por US$ 114 milhões em dinheiro.
Apurar US$ 214 milhões vivos pela transferência dos serviços de telecomunicações da Argentina é um negócio ruinoso, mesmo se considerando a situação precária da Entel.
A experiência do Chile na privatização de seu sistema de telecomunicações é idêntica à dos demais países latino-americanos. A diferença está no fato de ser o modelo chileno mais competitivo, pela quantidade de empresas operando e outras aguardando concessão.
O Peru fez o melhor negócio, vendendo 85% das estatais Entel e CTC à Telefonica de España por US$ 2 bilhões. No caso, prevaleceu mais a vontade de dominar um país de língua espanhola do que propriamente a estratégia de crescimento empresarial.
Essa rápida incursão pelos negócios das telecomunicações, falando apenas de Europa e América Latina, serve ao Brasil, por vários motivos. Primeiramente, não devemos incorrer nos erros dos nossos vizinhos, embora haja, realmente, necessidade de tornar o monopólio mais flexível. Em segundo lugar, o ministro Sérgio Motta, no caso da telefonia convencional, não precisa ter pressa.
O ministro deve fazer tudo com segurança e, então, o governo FHC poderá criar o modelo brasileiro de telecomunicações. A telefonia móvel, como em todos os países europeus ainda com monopólio estatal 100%, deve ser aberta imediatamente à iniciativa privada.
Estas são algumas considerações sobre matéria que a Câmara dos Deputados decide em segundo turno no dia 7 de junho. A Casa tem consciência de que a simples permissão a que o governo torne flexível o monopólio das telecomunicações terá efeitos positivos imediatos no desempenho das ``teles". Funcionará, no mínimo, como uma espada de Dâmocles permanentemente suspensa sobre suas cabeças.

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