São Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1995
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Em busca das aulas perdidas

ROSE NEUBAUER

A educação tem de ser levada a sério. Por todos. O exercício da cidadania dos pais de alunos da escola pública não termina quando conseguem vagas para seus filhos. A cidadania se reafirma na defesa da qualidade do ensino ministrado, para que as crianças realmente aprendam e progridam.
A forma como o governo Mário Covas conduziu as negociações durante a greve deflagrada pelo magistério em 27 de março demonstrou que a atual administração quer dialogar e cumprir seu programa de governo, que tem como prioridade zero a educação: diante do Palácio dos Bandeirantes, os professores não se defrontaram com a cavalaria ou com a tropa de choque da Polícia Militar, mas com autoridades da área social.
Depois de 23 dias letivos de paralisação e negociação permanente, os professores conquistaram um aumento médio de 37% em maio, enquanto a inflação acumulada este ano não atingiu 9%. Em quatro meses foram recuperadas as perdas salariais dos últimos quatro anos. É o início de um processo que deverá culminar com uma recuperação significativa dos salários do magistério antes do final desta gestão.
A greve do magistério, porém, foi muito heterogênea e se manifestou de forma diferenciada nas 6.700 escolas públicas, de acordo com o seu nível de adesão ao movimento. O calendário de reposição, portanto, foi preparado de acordo com o levantamento das aulas não-ministradas em cada escola, classe e disciplina.
Os diretores foram encarregados de fazer esse levantamento, e os pais -por meio de seus representantes no Conselho de Escola-, de aprová-lo. Afinal, eles sabem exatamente quantos dias de aula seus filhos perderam.
Agora, as aulas perdidas deverão ser repostas, para valer. Ao planejar essa reposição, as escolas deverão usar, inicialmente, os dias previstos para as reuniões pedagógicas e, a seguir, as duas semanas do recesso escolar de julho. Caso esses dias não sejam suficientes caberá então usar, com critério, os sábados para reposição.
Dessa forma, as escolas que tiveram longas paralisações em abril e praticamente iniciaram o ano letivo em maio não usufruirão do recesso escolar de julho. Essa proposta de reposição, embora possa não agradar a todos, tem como objetivo, além de preservar a qualidade do ensino, beneficiar os maiores interessados na educação: os alunos.
Outras alternativas não se mostram adequadas. Por exemplo, estender o período escolar em uma ou duas horas diárias pulveriza a recuperação, colabora para aumentar as faltas dos professores que trabalham em outras escolas e não é viável para cerca de mil escolas que são as que mais necessitam de reposição criteriosa: as que operam em quatro (três diurnos e um noturno), superlotadas, com instalações precárias, consideradas de ``alto risco" e com índices de repetência assustadores.
Além disso, cerca de 2 milhões de estudantes trabalhadores, que frequentam os cursos noturnos, seriam condenados à exaustão e à evasão pelo aumento da jornada escolar diária.
Da mesma forma, a utilização contínua dos sábados para repor as aulas já mostrou, no passado, ser muito problemática. Primeiro, porque prejudica sobremaneira os alunos do noturno, que utilizam as noites de sábado para os seus raros momentos de estudo e lazer.
Segundo, porque o uso sistemático dos sábados provoca grande ausência dos alunos e docentes nas escolas e assim reduz a reposição, nesses dias, a um arremedo de visitas culturais e atividades desportivas, em detrimento da aprendizagem dos conteúdos curriculares básicos.
O ensino paulista tem conseguido manter-se em pé mesmo depois de tantos anos de casuísmo e descaso e só será capaz de mudar e tornar-se um modelo educacional para o país com a participação da população usuária da escola pública.
É preciso fazer cumprir adequadamente o calendário escolar. O governo está fazendo sua parte com rigor. Pais, alunos e professores devem fazer a sua, valendo-se da autoridade de cidadãos para garantir o direito dos alunos à aprendizagem acima de quaisquer outros interesses.

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