São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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São Paulo expõe todos os ângulos de Rodin

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Rodin
Onde: Pinacoteca do Estado (av. Tiradentes, 141, tel. 011/227-6329, Luz)
Quando: abertura hoje para convidados e amanhã para o público; de terça a domingo, das 10h às 22h; até 13 de julho
Entrada: R$ 4

Rodin era o que os franceses chamam de ``homme à femmes", um homem que admira e atrai as mulheres. A montagem da exposição de suas 60 esculturas de bronze em São Paulo, que tem abertura oficial hoje, na Pinacoteca do Estado, mostra isso como se deve.
Portanto, é consideravelmente melhor que a montagem que levou mais de 200 mil pessoas ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em abril e maio.
A exposição da Pinacoteca é mais arejada e, ao mesmo tempo, mais reflexiva que a do Belas Artes. Nesta, as 60 esculturas ocupavam uma única sala, distribuídas marginalmente por ela. Poucas peças estavam suficientemente afastadas das paredes para que estimulasse a circulação a seu redor. A disposição parecia à espera da passagem de uma boiada desatenta.
Aqui a montagem se distribui em salas, e a disposição das peças chama o observador a circundá-las -como no próprio Museu Rodin, em Paris. A vantagem é clara porque uma escultura, como o sujeito daquele poema de Mário de Andrade, é ``trezentos, trezentos-e-cincoenta". Só é vista quando revista de outro ângulo. Só existe quando renasce.
E François-Auguste-René Rodin (1840-1917) era um mestre, justamente, dos ângulos. Sua escola: o corpo feminino. Foi estudando-o que fundou o modernismo na escultura.
O que é o modernismo na escultura? É a obtenção de um equilíbrio dinâmico e simultaneísta, em contraposição ao equilíbrio solene e pesado dos clássicos. Diante de uma escultura -uma estátua- de Michelangelo, você se dobra. Há ali um corpo denso, um ``corpus", erguendo-se do chão.
Em Rodin, não. Diante de você, ela se dobra. Você só quer saber de fuçar todos os cantos e pôr-lhe a mão, como se a escultura fosse uma amante desarmada.
Desarmada, mas não indefesa. Eis o ponto. Por mais sensual que uma escultura de Rodin seja, ela jamais é vulgar; você a deseja e respeita. Há no Museu Rodin, por exemplo, uma escultura muito curiosa: uma mulher, de corpo belíssimo, quase suspensa no ar em posição ginecológica. O título: ``A Mensageira de Deus". Nunca tanta volúpia foi tão santa.
Parece contradição, mas não é. A sensualidade de Rodin pede tempo, exame, calma. Quanto mais você olha, quanto mais analisa, mais sensualidade percebe.
Intelecto e prazer caminham juntos, ou melhor, se auto-estimulam -até uma sensação que, na falta de melhor palavra, pode ser descrita como enlevo, que é um produto da grande arte, sim, por mais que os pós-modernos queiram nos atolar em seu mundo derrotista e castrado.
A montagem da Pinacoteca consegue tudo isso, servindo às peças de Rodin, não ao marketing. E, ainda que o prédio do Belas Artes seja mais bonito, a montagem daqui ganha em bem-estar por ter forrado o chão dos corredores de tapete vermelho e, dentro das salas, só usado tons pastéis -de modo que quem entra sinta a suavidade da escultura de Rodin.
As peças que mostram mulheres são as melhores. A instabilidade do corpo feminino, com seus volumes de difícil harmonização, foi a musa que inspirou Rodin a romper com o classicismo (que ainda pode ser visto nas obras iniciais) e criar uma arte nova, influenciando toda a escultura posterior.
No mesmo módulo há diversos outros bons exemplos da sensualidade de Rodin, como ``O Beijo" e ``Paolo e Francesca". Nos módulos ``Rodin e a Dança" e ``Colagens", idem.
Também faz parte do módulo ``A Porta do Inferno" a arquifamosa ``O Pensador", para a qual foi reservada uma única sala. O pensador é Dante, que está naquela posição circunspecta porque, no projeto de Rodin, observa do alto da porta a azáfama do inferno abaixo. Mas, isolado, como notou o crítico Kenneth Clark, ``O Pensador" é uma tíbia generalização do ato de pensar.
``A Porta do Inferno" na versão integral, em bronze, pode ser vista no Museu Rodin. Ganha a energia do conjunto de casais amando, homens caindo e o pensador lamentando. Com a ressalva de que o amor em Rodin é bem mais carnal e satisfatório do que em Dante.
Também funciona melhor no conjunto ``Os Burgueses de Calais", de que há uma cópia grande (dos anos 80, de qualidade inferior) e algumas pequenas. Isoladas, ainda que muito expressivas, mostram como o elemento essencial de Rodin é a feminilidade.
Mas há uma exceção na exposição: ``Balzac", a escultura do autor da ``Comédia Humana". O fascínio aqui está no fato de que o escultor deu ao escritor uma grandeza olímpica sem lançar mão dos recursos com que o classicismo cinzelava suas homenagens.
Essa escultura criou muita polêmica na época de Rodin, porque o comitê que a encomendara julgou que estivesse inacabada.
Mas estava. O suposto ``inacabamento" foi uma das técnicas com que Rodin esculpiu sua modernidade. Repare em quantas esculturas as bases ganham expressividade, fazendo parte da obra, ou em que elementos secundários podem ser tão significativos quantos os que surgem à primeira vista.
Pessoalmente, até onde se sabe, Rodin era como o incorporou Gérard Depardieu no filme ``Camille Claudel": um homem voraz dotado de um talento mirabolante, uma força da natureza. Mas, você verá, uma força que é de uma natureza infinitamente sedutora.

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