São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995 |
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'Forrest Gump' é obra-prima acidental
RICARDO CALIL
O fenômeno ``Gump" se traduz em números. Depois de nove anos para seu projeto sair do papel, o azarão de 1994 arrecadou US$ 330 milhões nos cinemas dos EUA, tornando-se a quarta maior bilheteria de todos os tempos. Atualmente, lidera a locação e a venda de fitas de vídeo nos EUA. O enigma ``Gump" aparentemente não tem tradução. Na história recente do cinema, poucos filmes tão convencionais (no sentido hollywoodiano do termo) carregaram tantas sutilezas e dubiedades. O filme parece sempre significar algo e o seu contrário. Se a grandeza de um filme se mede pela quantidade de leituras que oferece, ``Forrest Gump" é uma obra-prima. A primeira, e mais óbvia, leitura mostra a saga de um herói americano (Tom Hanks) que enfrenta e supera suas adversidades. Trata-se de uma ode ao ``american way of life", ao ``self-made man". Com essa interpretação, ``Forrest Gump" levou seis Oscars. Mas o filme vai além dela. A princípio, por recusar o herói americano médio e escolher um americano abaixo da média (Forrest tem um ``déficit" de QI). Essa característica ressalta a ambiguidade do personagem e do filme. Forrest é uma espécie de Cândido, o herói voltairiano condenado por sua idiotia à exclusão e à felicidade. Segundo uma visão ideológica recorrente, Forrest seria um inocente, não fosse um alienado. E, ao apresentar um alienado como herói, o filme mostraria sua face conservadora, levando o público a se identificar com um idiota. Essa visão, porém, exclui o cinismo por trás dos enunciados estúpidos e dos bons sentimentos de Forrest. Para provar que a trajetória do personagem não será imaculada, sua mãe (Sally Fields) transa, logo no começo do filme, com o diretor da escola e, assim, compensa os cinco pontos de QI que faltam ao filho. A ``deficiência" de Forrest não o impede de participar ativamente de momentos históricos dos EUA (o nascimento do rock, a guerra do Vietnã, o caso Watergate). Por meio de efeitos especiais, o personagem contracena com personalidades como Kennedy e John Lennon. São efeitos marcantes, mas delicados, que não se sobrepõem às interpretações (principalmente à de Hanks, brilhante). O peso dado ao resgate da história americana esconde um outro aspecto fundamental do filme. ``Forrest Gump" é também uma homenagem ao cinema, apesar de não recorrer a referências concretas. O filme apresenta três partes bem-delineadas, que se sucedem sem sobressaltos (quando muda o interlocutor a quem Forrest conta suas histórias, em um ponto de ônibus). Cada uma dessas partes remete a um grande gênero cinematográfico. A primeira, à comédia. Em seguida, ao épico. Enfim, ao drama. E, em cada uma delas, o filme atinge plenamente seu objetivo -fazer rir, emocionar e chorar, como convém a uma grande produção americana. Acostumado a dedicar seu talento ao entretenimento total (``Uma Cilada para Roger Rabbit", ``De Volta para o Futuro"), talvez o diretor Zemeckis quisesse apenas seguir essas convenções. Talvez nem tivesse pensado em tantas complexidades, em tantos subtextos. Mas isso não tira os encantos de seu filme. ``Forrest Gump" é sim uma obra-prima, ainda que acidental. Vídeo: Forrest Gump - O Contador de Histórias Produção: EUA, 1994 Direção: Robert Zemeckis Elenco: Tom Hanks, Robin Wright, Sally Fields, Gary Sinise Distribuidora: CIC Vídeo (tel. 011/816-7391) Texto Anterior: Esculturas podem ter até 12 originais por lei Próximo Texto: Sucesso permanece um mistério Índice |
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