São Paulo, quarta-feira, 7 de junho de 1995
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Sucesso permanece um mistério

ZECA CAMARGO
EDITOR DA ILUSTRADA

Se a vida fosse mesmo como uma caixa de chocolates ela nem valeria a pena ser filmada.
Mesmo porque, ``Forrest Gump" nem pode ser usar essa comparação, pois ao contrário da frase repetida à náusea no filme, nele, você sempre sabe o que vai encontrar.
Ao sentar para ver o filme, você já pode perceber que ele é sobre alguém bonzinho. Meio pancada, é verdade, mas você sabe que ele vai se dar bem.
Você sabe que a vida é assim, não sabe? Quem é bobo sempre se dá bem, certo? Errado, claro.
Não obstante, milhões de espectadores se debulham em lágrimas com a ``comovente" história. E rever filme não esclarece muito as razões desse sucesso.
A simples estupidez ingênua de Forrest com seu QI 75 (quando 100 ou 110 é uma boa média) não impressionou tanto assim nem em um antecessor seu (Dustin Hoffman em ``Rain Man") nem em uma sucessora sua (Jodie Foster em ``Nell").
A ``viagem" através da história recente também não é uma boa explicação já que essa história é a americana -e assim, passagens como a que Forrest detona o caso Watergate fazem pouco sentido fora dos EUA.
Será que o que atrai o público é o sonho do homem comum que se dá bem? Pouco provável, já que a história não passa nem perto da realidade (na verdade, o filme dá uma boa impressão de verossimilhança, mas que pode ser desfeita com um pouco de raciocínio).
Então talvez a resposta seja Tom Hanks. Aí, a gente entra no subjetivo, no imaginário do carisma das estrelas de Hollywood e qualquer mitologia é possível e justificável.
Mas convém lembrar também que nem todos entre os mais de 15 filmes da carreira de Hanks foram um estouro.
Assim, ``Forrest Gump" permanece uma esfinge. E aí talvez esteja a explicação.
Forrest, o personagem, não é nada. Ele existe menos que ``Zelig", o camaleão criado por Woody Allen, que só queria ser amado.
Forrest não quer sem nem isso. Como disse bem o crítico Owen Gleiberman, da ``Entertainment Weekly", ele é mais um guia turístico do que um personagem.
Sua generosidade é obtusa, seu amor é incerto, sua cobiça é escamoteada, sua amizade é reticente e sua inocência é calculada.
Frases do tipo ``Forrest é o grande personagem deste fim de século" superaram, a essa altura, a noção de frase feita e, de maneira inacreditável elas continuam sendo formuladas para formar um caleidoscópio de elogios.
Aliás, é curioso notar que, para alguém ``tão atual", Forrest não faz sequer uma referência ao cinema. É como se ele não precisasse disso para agir tanto na cultura contemporânea.
Não há de ser esse breve comentário que vai arranhar a glória de Forrest. Nem uma tese inteira seria capaz de abalar esse status adquirido.
Forrest agora é ponto de referência, adjetivo comum e ícone social. Possivelmente até um herói.
Como ele mesmo diria, ``cagada acontece".

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