São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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Intrepretação divide águas

BIA ABRAMO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nos CDs lançados recentemente de três cantoras -Maria Bethânia, Simone e Elba Ramalho-, a questão central é a interpretação. Todas as três transitam no terreno da MPB menos cultuada e com apelo mais brega. Maria Bethânia, a exceção possível por conta da proximidade com os outros baianos, bem na fronteira do ``estilo churrascaria", Simone e Elba, mais profundamente enraizadas.
No quesito repertório, os discos de Elba, ``Paisagem" e de Bethânia, ``Ao Vivo" se mantêm em seu habitual. Elba, com sua trilogia sertão-carnaval-amor, recupera o samba ``Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua", de Sérgio Sampaio, e a singelamente juvenil ``Paisagem da Janela", de Lô Borges e Fernando Brant; duas canções com sabor anos 70 que não sobrevivem nos 90.
Bethânia, ao vivo, enfeixa 25 canções de Caetano, Roberto e Erasmo Carlos, Chico, Paulo Vanzolini, entre outros.
Já Simone tentou costurar um repertório de mais, digamos, qualidade -Gilberto Gil, Chico Buarque, Johnny Alf e até Augusto de Campos, via a tradução do poema de John Donne (e não Donner, como está no encarte) musicado por Péricles Cavalcanti, ``Elegia"- ao lado de ``preciosidades" como ``Leão Ferido" (Biafra e Dalto) e do melô dermatológico ``Pare de Me Arranhar" (``A tua unha pode se quebrar/±A minha pele pode se ofender/±E o o meu pêlo não voltar atrás).
Bethânia também é mestra nisso: sem o menor pudor, ela junta ``Fera Ferida", com seu arranjo épico e interpretação enfática, e uma ``Bárbara" simplesmente apaixonada. Ou a explícita ``Explode Coração" e a suave ``Eu e a Água". A diferença é que para cada extremo que Bethânia vai, no centro está ela, soberana.
Bethânia, de fato, é uma intérprete. Em sua voz, sob seu comando, as canções alheias ganham outra vida, outra leitura. Em ``Fé Cega, Faca Amolada" descobre uma dramaticidade ausente na versão de Milton Nascimento; em ``Detalhes", uma melancolia algo rancorosa desconhecida de Roberto.
Pode-se até discutir, digamos, a propriedade dessa emoção oculta ou amenizada que Bethânia faz emergir, pode-se não gostar, mas é fato inegável que a personalidade de sua voz e de sua interpretação extravasam em cada música.
Simone e Elba, por motivos diferentes, patinam na interpretação. Elba torna tudo agreste à sua volta. A estridência da voz tem o mesmo efeito que o sol causticante do sertão: queima, estiola.
Simone padece de falta de imaginação. Nenhuma de suas versões cria nada em relação ao original, quando não põe a perder em arranjos para lá de equivocados -``Noite dos Mascarados" com batida afrobaiana e cello simplesmente não dá certo.

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