São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Competição fortalecerá Petrobrás, diz Rennó

LUIZ CAVERSAN; ROBERTO MACHADO
DA SUCURSAL DO RIO

A Petrobrás não teme a competição com empresas estrangeiras, mas espera continuar explorando as jazidas conhecidas do país. A empresa gastou ``um dinheirão" com a greve dos petroleiros, mas não fez acordo com os trabalhadores por causa do Tribunal Superior do Trabalho.
Ao contrário do que afirmam os petroleiros, a empresa diz que está negociando, mas não readmitirá os sindicalistas demitidos. E espera as definições do seu ``principal acionista", o governo, para alinhar seus preços com os praticados em todo o mundo.
Essas afirmações são de Joel Mendes Rennó, 50, presidente da Petrobrás, maior empresa do país, que vive momentos decisivos como poucos em seus 41 anos de existência.
Depois de uma greve que paralisou as principais refinarias do país e após a Câmara aprovar emenda constitucional que acaba com o monopólio do petróleo, o presidente da empresa está otimista.
Parcerias com empresas estrangeiras, acredita Rennó, podem gerar emprego, renda e tornar o Brasil auto-suficiente na produção de derivados de petróleo. Atualmente, o país importa 42,8% do combustível que consome diariamente.
As reservas de petróleo desconhecidas, para Rennó, podem ser exploradas por empresas privadas. Mas as reservas exploradas pela Petrobrás devem ficar com a empresa. ``É uma questão de justiça", diz.
Folha - Os preços praticados pela Petrobrás estão em média 30% inferiores aos do mercado internacional. Para alinhar seus preços com os do mercado, a Petrobrás vai praticar reajustes na ponta do consumo? O consumidor vai pagar mais pelos combustíveis?
Joel Mendes Rennó - Nós, consumidores, vamos nos beneficiar. Para isso existe o governo, para regular as coisas de interesse da sociedade.
O governo vai estabelecer que preço ou que valor ele tem que fixar para que as empresas atuem.
Folha - Numa economia de mercado não é o governo quem determina os preços, são as empresas competindo. A Petrobrás está preparada para realinhar seus preços de acordo com os praticados no mercado internacional?
Rennó - Nós vamos seguir a orientação do acionista maior da empresa, que é e vai continuar sendo o governo.
Nós vamos praticar preços dentro de critérios que o acionista maior decidir. Se eu não estiver de acordo, saio da companhia.
Folha - A Petrobrás tem 47,7 mil empregados e investe mais de US$ 2 bilhões ao ano. Como ela pretende se adequar aos novos tempos? Os investimentos irão diminuir? Haverá demissões?
Rennó - Respondendo pela última parte: em 1989 eu estava fora da Petrobrás e nessa época ela tinha 61 mil funcionários.
Hoje tem 47,7 mil. Em cinco, seis anos ela diminuiu 14 mil funcionários. Quando eu assumi a companhia, em 92, nós éramos 52,5 mil mais ou menos.
Diminuímos 4.800 tranquilamente nesses três anos, sem nenhuma lista de demissões.
Folha - Qual é o ponto ideal?
Rennó - Não tem ponto ideal. Não se compara número de empregados com barris produzidos, tem outros fatores que contam.
Folha - O sr. disse que a greve levou um dinheirão. Se o suposto acordo feito no governo Itamar tivesse sido cumprido, o que era a reivindicação dos petroleiros, não teria sido mais econômico para a empresa?
Rennó - Nós não podemos nem considerar este aspecto. Os documentos que alguns sindicalistas balançam por aí como bandeira não são conquista nenhuma. Por duas vezes reunidos, os 12 ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) não reconheceram qualquer tipo de documento desta natureza. Não há como fazer comparações em cima deles.
Folha - Formalizado ou não, houve um acordo por parte do então presidente Itamar Franco, para dar um reajuste de 12% a 18%...
Rennó - Não é verdade. Quando o presidente convidou, em outubro, para dar uma chegadinha lá em Juiz de Fora não fui, fiquei de fora, a Petrobrás ficou de fora.
Quando eles (os petroleiros) voltaram aqui para conversar, naturalmente muito importantes, porque aí falavam com o presidente da República, o presidente da Petrobrás não era nada para eles, acharam que nós estávamos demorando, que não era bem aquilo e queriam mais.
Então eles fizeram aquele acordo famoso, na madrugada, com o então ministro das Minas e Energia, que o rapaz da FUP assinou, sem a nossa participação. Esses documentos o TST liquidou.
Folha - Esta vai ser a proposta da empresa na data-base, em setembro?
Rennó - Não sei. Estamos combinando com eles tendo em vista cumprir a decisão do TST. Vamos parcelar o desconto dos dias parados, vamos rever algumas demissões...
Folha - Qual o critério para rever as demissões?
Rennó - Vamos sobretudo ver entre as 104 demissões se tem alguma injustiça. Serão levadas em consideração a ficha do funcionário, mérito na companhia e atuação na greve. Mas deixar de demitir não é possível. E no caso dos sindicalistas, de jeito algum.
Folha - O coordenador nacional da FUP (Federação Única dos Petroleiros), Antônio Carlos Spis, que está encabeçando as negociações, foi demitido. E pelo jeito a demissão dele vai ser confirmada.
Rennó - Lógico, inquestionavelmente.
Folha - Por que ele está à frente das negociações?
Rennó - Porque os empregados o nomearam homem de conversa, o que você quer que eu faça? Nós não vamos impedir o Spis de entrar aqui. Eu esperava que os empregados e sindicato organizassem outra representação.
Folha - O Spis publicou um artigo sexta-feira na Folha em que ele afirma que houve uma `ação criminosa' por parte da Petrobrás para deixar a população sem gás e jogá-la contra os petroleiros. Ele argumenta que havia estoque, que houve uma manipulação para criar uma situação de fato...
Rennó - Você acha que uma empresa respeitável faria de propósito, procuraria propositalmente deixar aquelas filas enormes, aquelas senhoras pobrezinhas, só para dizer que nós estamos aí contrariando o sindicato? De jeito algum.
Folha - O sr. vê a possibilidade de um outro movimento grevista a partir de quarta-feira?
Rennó - Não acredito. A grande maioria do nosso pessoal é patriota, correto.
Folha - Dois terços dos funcionários da companhia trabalharam durante a greve e mesmo assim foi aquele transtorno todo. Isto não reforça a tese de que há mais gente nos escritórios do que na operação?
Rennó - A produção foi afetada porque as refinarias estavam paradas. A Petrobrás inteira, com 47,7 mil empregados, se tiver 7.000 a 8.000 nos escritórios, é muita coisa. A minoria é funcionário administrativo.
A maioria estava trabalhando, mas mesmo assim parou por causa da refinaria. E eles sabem disso, por isso que atuam muito e diretamente dentro das refinarias.
É natural que o movimento de base queira que seja vitorioso. Lamentavelmente desta vez foi totalmente desastrado, impatriótico e não foi vitorioso.
Folha - Como a BR, que é a distribuidora líder do mercado, vai atuar daqui para a frente? Vai ser privatizada?
Rennó - Para quê? Não vejo necessidade. A BR já tem lançadas há dois anos ações preferenciais no mercado. Trabalha muito bem. É líder, 36% do mercado são dela, 2.300 postos de serviço no país, dá lucro, paga dividendos. Eu sempre aconselho meus amigos a comprarem ações da BR.
Folha - As grandes companhias multinacionais têm interesse específico na distribuição...
Rennó - Mas estão aí a Shell, a Texaco, a Esso. E quem é a líder, apesar disso? A BR.
Folha - Mas o fato de fazer parte da holding Petrobrás acaba fazendo com que ela seja favorecida...
Rennó - O que acaba sendo favorecido? Pelo contrário, a BR é que nos ajuda, que empresta dinheiro para nós, não tem privilégio nenhum, ela compete.
Criou-se um pouco esta imagem: como a Petrobrás é forte acionista, qualquer peixe a Petrobrás dá para a BR. Não é assim. Ela tem até contrato de gestão com a Petrobrás.
Folha - O Brasil é o segundo país que mais descobriu petróleo no mundo nos últimos dez anos. As empresas multinacionais só têm 5% das reservas internacionais e querem aumentar estas reservas. Com o fim do monopólio, qual será a política em relação às reservas não-pesquisadas?
Rennó - Quem vai estabelecer a política será o governo. Vai apresentar uma lei mais moderna que a 2.004 ao Congresso. Pela primeira vez o Congresso vai decidir sobre isso.
Mas nós temos reservas descobertas -bacia de Campos, bacia de Santos, Amazonas, Bahia, vários lugares.
Estou seguro de que, quando for fixada a legislação a respeito do setor, essas áreas onde a Petrobrás tem trabalhado continuarão sendo áreas confiadas à Petrobrás. Sem a menor dúvida.
Se outras áreas existirem e a legislação estabelecer que deverá haver outros atores, caberá ao governo decidir como eles atuarão.
Por isso acho que a Petrobrás vai ser ainda melhor, mais forte e mais competitiva com as modificações que se pretendem. Não tenho o menor receio.

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