São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Calote do governo faz robô fracassar

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma foto nem sempre vale por mil palavras. Este é o caso da foto de um robô de uma feira de ciências no Liceu Eduardo Prado, de São Paulo, publicada na capa do caderno Mais! da Folha de 21 de maio passado (veja reprodução).
A foto que ilustrava a reportagem sobre os cientistas mais citados do país é, curiosa e ironicamente, também uma lembrança do descaso dos governos brasileiros com a ciência e a tecnologia.
O criador do robô, o engenheiro Christovão Manoel Baptista da Silva, 41, levou um calote do governo de José Sarney que arrasou uma pioneira empresa de robótica, desempregando 72 pessoas e desperdiçando a tecnologia até então desenvolvida.
Em 1987, Baptista vendeu ao governo federal um robô para participar da limpeza da região de Goiânia afetada pelo acidente com o radiativo césio-137.
Robôs são o instrumento ideal para tarefas delicadas que arriscam a vida de pessoas. Ao contrário da imagem popular, robôs não são apenas tentativas de fazer uma réplica do ser humano, com todas suas capacidades complexas.
Robôs são apenas mecanismos automáticos que executam tarefas específicas -seja soldar ou pintar peças de um automóvel em uma empresa, seja desativar bombas ou coletar lixo radiativo.
Baptista já tinha um protótipo de robô em 1987, que foi capaz de ser aperfeiçoado e adaptado para agir na região contaminada por radiatividade. O robô, chamado Blump, tinha controle remoto por rádio e era equipado com câmaras de vídeo, sensor de radiatividade e braço mecânico.
Seu operador tinha, portanto, a capacidade de checar a radiatividade à distância e recolher o resíduo perigoso. À época, ele fez sucesso na televisão. Era uma prova móvel, simpática e ``videogênica" de que a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) estava bem equipada para lidar com problemas como o acidente com o césio.
Por algum motivo, porém, o órgão governamental não estava equipado para pagar o que devia. O contrato foi assinado em 87 por Baptista e Cláudio Rodrigues, superintenende do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, ligado à Cnen), além de Ivan Santos, assessor da superintendência. O preço era de um milhão de cruzados, que não foram pagos.
O calote da Cnen deixou a empresa de Christovão endividada com um banco. Ele também não tinha conseguido financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), a agência federal de fomento à tecnologia. Apesar da retórica nacionalista dos ministros de ciência da época, a Finep vivia maus momentos.
Apesar também de eletrônica, robótica e informática serem ``prioridades" governamentais, Baptista não conseguiu se associar a empresas japonesas da área, como a Nachi, pois a legislação da reserva de mercado à informática proibia o empreendimento conjunto.
Mesmo assim, ele pôde criar uma empresa que chegou a ter mais de cem funcionários, produzia coisas como órgãos eletrônicos e dava os primeiros passos na robótica industrial.
Graças ao calote do governo Sarney, a empresa entrou em concordata e depois faliu. O engenheiro Christovão Baptista, o aluno de precoces talentos eletrônicos do Liceu Eduardo Prado, hoje trabalha como consultor.

Texto Anterior: Projeto prevê que todos sejam doadores de órgãos; O NÚMERO; Policial é morto ao reagir a assalto no Rio; Frio no final de semana lota hotéis em Campos; QUINA; SENA
Próximo Texto: Série de TV inspirou criador
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.