São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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Vírus viajam em um tipo Internet biológica

RICHARD PRESTON
DA ``NEW YORKER"

Vivemos em uma espécie de Internet biológica, na qual os vírus viajam como mensagens, deslocando-se em alta velocidade de um nodo a outro, passando de cidade a cidade. (No mês passado), chegou à Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra, um relatório informando que algum tipo de agente infeccioso desconhecido e fatal, alguma espécie de febre hemorrágica africana, possivelmente o vírus Ébola, estaria agindo em Kikwit, no Zaire, uma cidade pobre com população de meio milhão de habitantes.
A cidade vem crescendo bastante nos últimos anos. Situada cerca de 400 km a leste de Kinshasha, capital do Zaire, ela se espalha ao longo do trecho final da rodovia Kinshasha, que atravessa a África e ao longo da qual a Aids se espalhou. Kikwit fica numa região de relevo ondulante, recoberta de savana. Lentos rios da cor de leite achocolatado serpenteiam pela região, ladeados por uma faixa de floresta equatorial.
Kikwit estava em estado de pânico. O Exército havia fechado as estradas e não deixava ninguém sair da cidade. Devido ao agente infeccioso desconhecido as pessoas estavam morrendo de hemorragias que brotavam dos orifícios naturais do corpo. Ou seja, os doentes sangravam até morrer. Os habitantes locais chamavam a doença de ``diarréia vermelha".
Há informações segundo as quais o agente infeccioso é muito semelhante ao vírus zairense Ébola, que surgiu em 1976 em povoados próximos ao rio Ébola, 500 milhas ao norte de Kikwit, e matou nove em cada dez das pessoas que contaminou. Ainda é cedo para avaliar quanto tempo levará para a linhagem de Kikwit se esgotar. Ela passa de uma pessoa para outra através do sangue e das secreções corporais, e pode também ser transmitida pelo contato sexual. É extremamente contagiosa. Não existe cura ou tratamento.
O Ébola é um vírus que emergiu da floresta; parece sair de ecossistemas tropicais. Ele vive em algum hospedeiro natural, que pode ser algum tipo de mosca, roedor, macaco, felino africano -quem sabe? Onde o Ébola se esconde na floresta tropical é um mistério. Nas últimas duas décadas, ele vem atingindo a espécie humana esporadicamente, em diferentes lugares e diferentes linhagens. A todo momento encosta na Internet biológica humana -mais ou menos como se a estivesse sondando.
No relatório inicial recebido pela OMS, consta que o agente infeccioso havia contaminado 72 pessoas, das quais 56 haviam morrido. Parecia que o agente infeccioso de Kikwit havia atingido especialmente os médicos e enfermeiros da cidade, e que os estava exterminando.
No momento em que essa notícia assustadora chegou à OMS, em várias versões não confirmadas, uma equipe de cientistas se preparava para viajar à Costa do Marfim, na África Ocidental, para investigar um caso confirmado de uma nova linhagem de vírus Ébola naquele país. O Ébola voltara -dessa vez para a Costa do Marfim. A equipe da OMS enviada para investigar o Ébola consistia de um cientista do Instituto Pasteur em Paris, chamado Bernard Le Guenno, e um virólogo francês chamado Pierre Rollin, que hoje trabalha para o Centro de Controle de Doenças, em Atlanta. Le Guenno e Rollin foram desviados de sua missão na Costa do Marfim e enviados ao Zaire, onde encontraram dez médicos da OMS, vindos da África do Sul, da França, do Zaire e dos Estados Unidos.

LEIA MAIS do texto de Richard Preston sobre a epidemia de Kikwit à pág. 5-9

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