São Paulo, segunda-feira, 12 de junho de 1995
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Relações entre EUA e Japão passam por crise

JAMES BAKER

As relações EUA-Japão estão em crise. As conversações visando abrir o mercado japonês aos carros e às autopeças americanas empacaram, em meio a rancor de ambas as partes.
A administração Clinton anunciou sua intenção de submeter o Japão à OMC (Organização Mundial do Comércio), para o julgamento de suas práticas comerciais injustas. Há forte possibilidade de sanções comerciais dos EUA contra o Japão.
O impasse comercial entre EUA e Japão contribuiu, por sua vez, para a queda de quase 20% no valor do dólar contra o iene ocorrida desde o início do ano.
No entanto, as duas crises, comercial e de divisas, apesar de muito graves, não passam de sintomas de um problema mais profundo que possui ramificações imensas, não apenas para o relacionamento EUA-Japão mas para a própria economia mundial.
É a falta de disposição manifestada pelo Japão em procurar resolver os enormes desequilíbrios comerciais gerados por suas políticas dirigidas à exportação.
Um exemplo disso é a reação do Japão aos esforços americanos no sentido de abrir o mercado japonês de carros e autopeças. O problema não é pequeno.
Em 1994, o déficit comercial global de mercadorias dos EUA com o Japão atingiu a cifra recorde de US$ 66 bilhões.
Desses, US$ 37 bilhões, ou mais de 60%, representavam déficit em comércio automotivo. Isto não é novidade: os déficit automotivos americanos com o Japão ultrapassam os US$ 30 bilhões anuais há dez anos.
Durante quase dois anos de negociações, a administração vem pressionando o Japão para que adote medidas visando reduzir esse déficit estrutural crônico.
Essas medidas incluem a remoção das barreiras não-tarifárias, resultando num acesso americano mais amplo ao sistema japonês de revendedoras, compras japonesas mais competitivas de autopeças e desregulamentação da ``certificação" restritiva de oficinas mecânicas praticada pelo Japão.
Cada medida dessas baixaria os preços e ampliaria as opções disponíveis aos consumidores japoneses.
A maioria dos japoneses proprietários de carros preferiria comprar um alternador americano de US$ 100, em lugar de seu equivalente japonês ao custo de US$ 600.
No entanto, o governo em Tóquio recusou-se a ceder nas negociações.
Não é difícil entender a razão disso. O mercado automotivo japonês está efetivamente fechado, e as principais montadoras japonesas querem que continue assim.
Nos EUA, no Canadá e na Europa Ocidental, a participação de carros importados varia entre 36% e 80%. No Japão, contrastando com isso, totaliza meros 5%.
A posição adotada pelo Japão em relação ao comércio automotivo reflete sua abordagem mercantilista ao desenvolvimento.
Há décadas o país vem promovendo exportações maciças, ao mesmo tempo que protege seu mercado doméstico.
O resultado tem sido um desequilíbrio não apenas no comércio exterior do Japão mas também, o que é mais fundamental, em sua própria economia.
Seu setor doméstico é marcado por níveis relativamente baixos de gastos dos consumidores, regulamentação governamental excessiva, um sistema pouco desenvolvido de distribuição e uma gama de barreiras informais impostas a bens e serviços estrangeiros.
Começando pela Iniciativa de Impedimentos Estruturais, lançada pela administração Bush em 1989, e continuando com as Conversações Estruturais que tiveram início em julho de 1993, Washington vem exortando Tóquio a corrigir esses desequilíbrios.
Houve alguns avanços na abertura dos mercados japoneses, mas eles têm sido lentos.
O superávit comercial global japonês com o resto do mundo para o ano fiscal que terminou em 31 de março permaneceu em espantosos US$ 118 bilhões: o superávit estrutural japonês não é apenas um problema com os EUA, é um problema mundial.
Em vista desses fatos, a valorização do iene não deveria constituir surpresa alguma, embora a recente mudança dramática na relação entre dólar e iene tenha sido exacerbada pelas tensões comerciais entre Washington e Tóquio.
O iene forte representa uma má notícia para a economia japonesa, que no momento está saindo de sua pior recessão em várias décadas. No passado, o Japão confiou no crescimento de suas exportações para levá-lo à recuperação.
Mas o desempenho das exportações japonesas, hoje, está ameaçado pelo custo cada vez mais alto dos bens e serviços japoneses.
Os exportadores japoneses lideram o coro favorável ao fortalecimento do dólar. O mercantilismo japonês acabou por se mostrar prejudicial ao Japão.
Alguns representantes japoneses vêm sugerindo que os EUA elevem as taxas de juros para atrair fluxos de capital para a economia norte-americana, e, dessa maneira, escorar o dólar.
Os EUA recusaram a sugestão e devem continuar a fazê-lo. Existem indícios claros de que a economia norte-americana está se desacelerando.
Neste ano, o crescimento deve atingir em média 3% ou até menos. Outra elevação das taxas de juros por parte do Federal Reserve (o banco central dos EUA) poderia provocar uma recessão nos Estados Unidos.
Isso poderia, por sua vez, ameaçar a recuperação atualmente em curso na Europa Ocidental e, ironicamente, no Japão.
E Tóquio tampouco pode continuar a atribuir à política fiscal norte-americana a culpa pelo superávit comercial japonês com os EUA. Embora seja claro que os EUA precisam avançar mais no sentido de ``amansar" o orçamento federal, nosso déficit fiscal como porcentagem do produto interno bruto é o mais baixo entre as principais economias industrializadas -incluindo o Japão.
O impasse comercial também ameaça erodir a confiança entre Tóquio e Washington e encorajar os protecionistas nos Estados Unidos e os nacionalistas no Japão.
Mais grave de tudo, coloca em risco o futuro de jovens japoneses e jovens americanos, que hoje se vêem como amigos.
Ocorrendo tão pouco tempo após o 50º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, a atual crise comercial entre Tóquio e Washington deveria levar representantes dos governos de ambas as capitais a encontrar meios de resolver o problema sem mais rancores ou atrasos.

Tradução de Clara Allain

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