São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Depp é quase ator coadjuvante na produção

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Filme: Ed Wood
Direção: Tim Burton
Produção: EUA, 1994, 124 min.
Elenco: Johnny Depp, Martin Landau, Patricia Arquette, Sarah Jessica Parker
Estréia: Gazeta, Calcenter 1, Eldorado 3 e Jardim Sul 1

Graças a Tim Burton, Ed Wood (1925-1978), quem diria, acabou em Cannes e no Oscar. Este ano, ``Ed Wood" levou dois prêmios: ator coadjuvante e maquiagem.
Ambos, curiosamente, relacionam-se ao segundo grande personagem do filme de Burton: o astro do terror Bela Lugosi (1882-1956), uma estrela do cinema húngaro que se tornou o Drácula definitivo a partir da versão de 1931 dirigida por Tod Browning. O veterano Martin Landau (``Crimes e Pecados") parece ressuscitar Lugosi.
Landau torna Lugosi o verdadeiro protagonista do filme de Burton, condenando o Ed Wood do ``baby face" Johnny Depp a ser quase um coadjuvante de sua própria saga. A relação filial entre o cineasta iniciante e o ator quase agônico é a espinha dorsal do roteiro que Scott Alexander e Larry Karaszewski desenvolveram a partir da biografia de Edward D. Wood Jr. de Rudolph Gray.
Ed Wood extraiu de sua própria fixação no travestismo a, digamos, inspiração para seu melodrama classe Z de estréia, ``Glen ou Glenda" (1952). Além de produzir, roteirizar e dirigir, Wood interpretou o papel-título.
Sem medo de errar, até por que nada tinha a perder, Wood insistiria na carreira. A sorte não exige competência: um encontro fortuito com um decadente Bela Lugosi, esquecido por todos e viciado em morfina, garantiu aos filmes de Wood ao menos um nome de prestígio. Lugosi seria a isolada estrela da constelação de ``freaks" reunida pelo cineasta.
Em pouco mais de 20 anos, Ed Wood realizou oito longas-metragens, passando do melodrama ao terror, do policial à ficção-científica, até chegar ao fim da linha cometendo filmes e romances pornográficos. Manteve-se sempre fiel à produção de fundo de quintal, ao desleixo como diretor, à incongruência de suas histórias. Morreu alcoólatra aos 53 anos, esquecido mesmo das notas de rodapé da história do cinema B.
Não é difícil descobrir por que Tim Burton encantou-se pela figura. ``Ed Wood" permite-lhe mais uma vez desenvolver uma narrativa tragicômica dentro de seu estilo neogótico. Dá-lhe ainda a chance de homenagear um mito do cinema B, Bela Lugosi, como já o fizera antes com Vicent Price, em seu curta ``Vicent" e em ``Edward Mãos-de-Tesoura". Mas, acima de tudo, ``Ed Wood" serve-lhe de desculpa para proferir seu mais radical elogio ao cinema.
Burton não esconde o primitivismo de Wood nem procura em nenhum instante valorizar como obras de arte filmes como ``The Bride of The Monster" (1953) ou ``Plan 9 From the Outer Space" (1958). Frisando a identificação patética de Ed Wood por Orson Welles, Burton delimita as fronteiras. O que torna o personagem encantador para Burton é a paixão de Wood pela narrativa cinematográfica, o absoluto engajamento dele em contar a qualquer preço suas histórias através de filmes.
Em plena era da inflação das imagens, Tim Burton defende de dentro da balela hollywoodiana a democratização do cinema, o direito de cada um produzir suas próprias fábulas. ``Ed Wood", quem diria, é um filme engajado. (Amir Labaki)

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