São Paulo, sábado, 17 de junho de 1995
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Movimento anti-aborto cresce nos EUA

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

Três décadas de conquistas em políticas de aborto e planejamento familiar nos EUA estão sendo ameaçadas por atentados a bomba e cortes no orçamento.
Uma lei federal garante a interrupção da gravidez desde 1973.
No Brasil, os médicos que fazem os poucos abortos permitidos por lei são discriminados por colegas e ameaçados por telefonemas (leia texto ao lado).
Em Los Angeles, na Califórnia, o Estado norte-americano mais liberal, a clínica da Planned Parenthood, no centro da cidade, instalou alarmes, grades, gravadores e um sistema interno de TV.
Seus médicos e funcionários não fornecem endereço, telefone, nem são identificados.
Carros ou pessoas suspeitas nas proximidades são vigiados por seguranças. E os jornalistas só entram no prédio com a condição de não filmar nem fotografar pessoas.
Atentados
A Planned Parenthood é uma das cerca de 160 organizações que trabalham com planejamento familiar nos EUA.
Nenhum dos procedimentos praticados pela organização é ilegal ou clandestino. Como autoriza uma lei federal de 1973, algumas das 900 clínicas da Planned Parenthood fazem aborto.
A do centro de Los Angeles é uma delas. Por isso mesmo, vem sendo ameaçada por grupos extremistas que crescem como cogumelo em todo o país.
Violência e o corte de verba anunciado pelos conservadores estão ameaçando o programa de aborto norte-americano.
Só na Califórnia, mais de 30 atentados contra clínicas foram cometidos nos últimos quatro anos. Em todo o país foram mais de 500. Cinco pessoas morreram.
No mês passado, cerca de cem pessoas bloquearam a entrada da clínica de Los Angeles. Só saíram arrastados pela polícia. Médicos tiveram suas casas cercadas e não puderam sair para o trabalho.
``Estamos tendo que transformar nossos locais de trabalho em campos armados para proteger funcionários, voluntários e pacientes", disse Suellen Craig, diretora da Planned Parenthood em Los Angeles.
A tensão é visível nos corredores da clínica. A maioria dos seus pacientes, na última quarta-feira, eram adolescentes grávidas que procuravam a clínica sozinhas. Los Angeles tem o maior número de meninas grávidas dos EUA (veja texto abaixo).
A clínica faz cerca de 20 abortos por semana, quase todos por aspiração. ``As complicações são raríssimas", diz Josie Corning, uma das diretoras da organização Planned Parenthood.
Onde o aborto é ilegal, como no Brasil, os procedimentos clandestinos matam centenas de mulheres por ano.
Nos EUA, embora uma lei federal permita o aborto, cada Estado definiu uma legislação própria. A Califórnia, um dos mais liberais, é um dos 12 Estados onde o aborto é bancado pelo governo. Menores de idade não precisam de autorização dos pais para abortarem.
``Nosso objetivo não é fazer aborto e sim evitá-lo através de informação e prevenção", diz Suellen Craig. Cerca de 95% dos procedimentos da Planned se referem a exames, consultas de rotina, testes de HIV e acompanhamento. Sem esse trabalho, o número de abortos seria muito maior, dizem os médicos.
Os números e argumentos parecem não convencer a legião de norte-americanos que a cada ano engrossam as fileiras do movimento batizado de ``contra-escolha". Eles atacam os grupos feministas que atribuem as decisões apenas à mulher. E combatem os movimentos ``pró-escolha", que defendem o direito a diferentes opções, dependendo das condições e da vontade da mãe.
As fileiras do ``contra-escolha" são as que mais crescem e se radicalizam. Estima-se que 30% dos americanos já são contrários ao aborto. Destes, 5% aprovariam atos de violência contra as clínicas e seus funcionários.
A maioria desses extremistas se agrupa em torno da corrente chamada de Coalizão Cristã, onde estão os fundamentalistas.
Seus líderes defendem em público o uso de armas de fogo e da violência em nome do que chamam de ``ação pró-vida".
Na esteira desse movimento, os conservadores que dominam o Congresso já iniciaram campanhas contra o aborto.
Dez instituições de diferentes setores estão ameaçadas de perder as verbas federais. A segunda da lista é a Planned Parenthood.

O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a Los Angeles a convite da Genos Internacional, Advocates for Youth e Fundação MacArthur

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