São Paulo, sábado, 17 de junho de 1995
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Crise no Chile

A pacífica transição chilena da ditadura para a democracia cobra hoje o seu preço. O general Augusto Pinochet entregou o poder aos civis em março de 1990, pouco depois de os chilenos terem dito não em pebiscito ao regime autoritário inaugurado com o golpe contra Salvador Allende em 1973.
O general entregou o poder, mas manteve-se comandante-em-chefe Exército, cargo do qual não pode ser destituído pelo Executivo por força de dispositivo constitucional criado pelo próprio Pinochet.
A situação era de fato algo inusitada: o ditador deixa o poder, mas continua comandando o Exército. Era portanto previsível que, cedo ou tarde, surgiriam problemas. Foi mais tarde do que cedo. Os primeiros cinco anos da estranha democracia chilena transcorreram sem maiores sobressaltos ou impasses.
Foi só agora, com a condenação dos dois militares que chefiavam a temível Dina (a polícia secreta que era responsável pela repressão aos opositores do regime) pelo assassinato do chanceler Orlando Letelier em Washington em 1976, que os conflitos surgiram.
Pinochet ordenou uma operação militar para levar um dos condenados, o general Manuel Contreras, para um hospital da Marinha onde os militares impedem que policiais lhe dêem a voz de prisão, alegando que Contreras está muito doente. O outro condenado, o brigadeiro Pedro Espinosa, também se encontra em uma instalação militar e afirma estar com problemas de saúde.
Mais grave ainda, contrariando apelo do presidente Eduardo Frei para que as decisões da Justiça não fossem questionadas, o general Pinochet disse que o julgamento foi injusto, comparando-o mesmo ao Tribunal de Nuremberg.
A crise, que levou Frei a cancelar sua viagem ao Brasil, ilustra as dificuldades de uma transição de certo modo incompleta. O desfecho dessa crise mostrará se a democracia, esta frágil planta que tem de ser cultivada todos os dias, de fato, como tanto se deseja, fincou raízes no solo chileno.

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