São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Morrendo em perfeita saúde

LUÍS NASSIF

No início de maio, em Nova Iguaçu, um pequeno empresário me procurou aturdido. Desde janeiro não conseguia pagar suas contas, já colocara à venda suas parcas propriedades, e não havia meio de se aprumar. Com o corte do crédito, em fins de abril, estava perto do fim.
No entanto, diariamente os jornais de TV informavam que tudo estava às mil maravilhas. ``Será que só eu estou nesta situação?``, indagava aflito.
Era possível colher o mesmo sentimento em Joaçaba, Gravataí e Criciúma (SC), em Maringá e Curitiba (PA), em São João da Boa Vista e Ribeirão Preto (SP), em Uberlândia ou em Poços de Caldas (MG), entre agricultores paranaenses, metalúrgicos paulistas, petroleiros cariocas, entre usuários de cartão de crédito e cheque especial.
Como a coluna vem alertando desde o início de maio, a crise não se reflete de maneira homogênea sobre todos os indicadores, principalmente quando se vem de uma economia aquecida. Inicialmente, arrebenta com os mais fracos -pessoas físicas e jurídicas endividadas. Mas os reflexos sobre emprego e salários tardam um pouco.
Como os indicadores econômicos são naturalmente defasados, durante algum tempo há a convivência entre o inferno da realidade e indicadores cor-de-rosa.
É isso -mais o fato de a cobertura jornalística concentrar-se nos grandes grupos econômicos ou nas fontes oficiais- que explica a maior ou menor velocidade com que os veículos passaram a aceitar a crise.
Verdade por etapas
Mesmo assim, o processo de constatação do fato jornalístico vai ocorrendo. Um jornal descobre a crise primeiro -no caso, a Folha. Em seguida, vem os demais. Na sexta-feira a crise estreou em ``O Globo", com a manchete principal mencionando a onda de inadimplência generalizada entre pessoas físicas.
Desde que haja honestidade jornalística -como é o caso da maior parte da cobertura-, mais cedo ou mais tarde a realidade acaba refletida nas páginas de todos os jornais. Menos naqueles setores contaminados pelos rapapés do poder -como define magistralmente o colunista Carlos Heitor Cony.
Os economistas do governo concordam com todas as contra-indicações apontadas pela coluna. O secretário de Política Econômica José Roberto Mendonça de Barros admite que a atual política de juros e crédito é altamente concentradora de renda, e o ex-presidente do Banco Central, Pérsio Arida, sustenta que juros altos afetam as contas públicas.
O que alegam é que não dispõem de alternativas para a desindexação. Esse é o mote de toda discussão: há alternativas ou não? O tratamento foi exagerado ou não?
A esta altura do campeonato, pretender ignorar os sinais da crise é mais do que ignorância presunçosa. É pretender convencer moribundos de que eles estão morrendo em perfeito estado de saúde.
Cor-de-rosa
Esta semana, um desses setores que procuram minimizar os efeitos da crise atribuiu ao consultor de empresas Antoninho Marmo Trevisan a seguinte declaração: ``Nunca em toda minha vida vi tanta prosperidade das empresas no Brasil como nos últimos 18 meses``. A declaração foi utilizada como prova de que o Brasil está ótimo, e a chiadeira é blefe.
Para dar leve idéia do grau de manipulação a que se chegou, transcrevo fax recebido no dia 22 de maio passado, de autoria do próprio Marmo Trevisan, a propósito dos alertas formulados pela coluna a respeito da gravidade da crise e dos excessos da política creditícia:
``Belíssimos seus comentários de sexta e de hoje (sobre o tema). (...) Fico arrasado com a frieza e a tranquilidade com que economistas da equipe governamental tratam dos problemas quando é com a massa invisível. Uma empresa quebra, um homem se destrói, às vezes se suicida, muitas vezes a sua dignidade é lançada ao lixo. Mas nada disso importa porque a macroeconomia não trata de detalhes. Não vejo a mesma implacabilidade quando se trata de mexer nos ralos oficiais. Se você destrói empresas e empregos privados, porque não faz o mesmo com as empresas estatais e empregos públicos?``.
Alguém mentiu e alguém foi ingênuo.

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