São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Divergências marcam reunião

CLÓVIS ROSSI
DO ENVIADO ESPECIAL

O final da Guerra Fria parece ter feito mais mal do que bem ao grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G-7.
O que é paradoxal, mas explicável.
Paradoxal, porque foram eles os principais vencedores, exatamente por serem os grandes expoentes do capitalismo, ganhador da batalha ideológica contra o comunismo.
Explicável, porque o desaparecimento de um inimigo externo ao grupo fatalmente faria com que se intensificasse a competição entre eles.
O conflito comercial entre Japão e Estados Unidos é a face mais visível, mas não a única, dessas contradições.
Há, nesse caso, um fogo cruzado entre os membros do G-7.
Os EUA acusam o Japão de fechar demais o seu mercado e ameaçam até impor sanções comerciais, no valor de US$ 5,9 bilhões, se não conseguirem uma abertura para seus automóveis e autopeças até o dia 28.
O Japão nega. E exibe estatísticas que demonstram ser ele o terceiro maior exportador do mundo, atrás apenas dos próprios Estados Unidos e da Alemanha.
Um país que importa tanto (US$ 240 bilhões no ano passado, ou quase a metade de tudo o que Brasil produziu de bens e serviços) não pode ser considerado fechado, é o raciocínio implícito.
Os parceiros dos dois no G-7 concordam e discordam, ao mesmo tempo, de cada um deles.
A frase emblemática dessa concordância e discordância é do porta-voz de sir Leon Brittan, uma espécie de ministro do Comércio da UE (União Européia):
``O mercado japonês não é tão aberto quando deveria. Mas não achamos que a melhor maneira de um país abrir o mercado do outro é fechando o seu próprio mercado".
Alemanha, França, Itália e Reino Unido são membros tanto do G-7 como da UE.
Usando outras palavras, o governo canadense tem formulado raciocínio idêntico.
A discordância é igualmente profunda entre eles quando se trata de discutir de quem é a culpa pelo acentuado declínio do dólar, fato consensualmente apontado como perigoso para a expansão da economia mundial.
A Alemanha ergue um dedo acusador na direção dos Estados Unidos.
``Para mim, o problema é claro: baixo nível de poupança, déficit orçamentário relativamente alto e uma posição de devedor líquido", diz Hans Tietmeyer, presidente do poderoso Bundesbank, o banco central alemão, ao se referir às pragas que infestam a economia norte-americana.
Os EUA não podem esconder que seu déficit orçamentário é um problema, mas preferem olhar para o problema dos vizinhos, porque alegam que estão combatendo o déficit.
``O que fizemos (a respeito do déficit) é compatível com o problema, e o governo japonês talvez devesse considerar novas e mais profundas medidas para estimular a sua economia", diz Robert Rubin, secretário norte-americano do Tesouro.
Se, de fato, o Japão estimular mais a sua economia, terá de importar mais e, por extensão, ajudar a combater o déficit comercial norte-americano.

Política
Mude-se o foco da economia para a política, e as divergências continuam.
Caso da Bósnia, por exemplo.
O próprio presidente norte-americano, Bill Clinton, admite que seus parceiros não têm a mesma (e forte) simpatia pelo governo majoritariamente muçulmano da Bósnia.
O primeiro-ministro canadense, Jean Chrétien, lhe dá razão de forma implícita.
``É fácil, nos países da antiga Iugoslávia, ficar aplicando o rótulo de bons a uns e maus a outros. Mas há algo de cada coisa em cada lado", disse Chrétien em entrevista na sexta-feira.
Passe-se para o Irã. Os Estados Unidos propõem o isolamento do governo xiita iraniano.
O Reino Unido discorda. O Japão também.
``Não somos a favor de isolar o Irã. Não favorecemos políticas que usem apenas o porrete", diz Terusuke Terada, porta-voz do primeiro-ministro japonês, Tomiichi Murayama.
É razoável supor que as divergências só crescerão à medida que novos países forem emergindo como parceiros mais ou menos fortes no xadrez planetário.
Afinal, o bolo da riqueza mundial não cresce o suficiente para que sobrem fatias generosas para todos.
Logo, cada vez que um país aumenta o tamanho da sua mordida, diminui (ou cresce menos) a fatia dos que já comiam muito.
Os Estados Unidos têm sido a grande vítima desse mecanismo.
Em 1950 ficavam com mais de dois terços da riqueza conjunta do G-7 (exatamente 68,6%). Hoje, levam apenas pouco mais de um terço (38,2%).
Há quem veja outros parceiros (não só países) também mordendo o bolo.
``Muitos se perguntam se os sete podem continuar liderando um mundo em que o poder parece estar passando para potências emergentes, como China, Índia, Brasil e Indonésia, para mercados financeiros de US$ 1 trilhão ao dia e para uma cidadania global conectada à rede de computadores Internet e avessa ao controle e intervenção governamentais."
Opinião de John Kirton, que é professor de ciência política da Universidade canadense de Toronto e especialista em cúpulas do G-7.
Se ele estiver certo, o G-7 pode ser uma sigla prestes a cair em desuso. (CR)

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