São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Novos velhos conflitos

Tomar reféns foi uma das primeiras coisas que o homem aprendeu desde que surgiram as guerras. A frequência de episódios envolvendo reféns é tanta que o termo português para designar as vítimas dessa forma de chantagem chegou à nossa língua enquanto ela ainda nascia no século 13, a partir do árabe vulgar ``ar-rahan" (penhor).
Se fazer reféns não é propriamente uma novidade, nas últimas semanas o mundo assiste a novas modalidades de usar inocentes para tentar obter algo em troca. Na Bósnia, tropas sérvias aprisionaram soldados das Nações Unidas e chegaram a utilizá-los como escudos humanos. Na Rússia, guerrilheiros tchetchenos invadiram uma cidade e tomaram um hospital, transformando pacientes e pessoal em reféns. Muitos foram assassinados.
Tanto o conflito na Bósnia como o enfrentamento entre russos e tchetchenos têm em comum uma antiguidade apagada por mais de 70 anos de existência de governos centralizadores e totalitários.
A guerra na Tchetchênia começou na verdade no século 18, com Pedro, o Grande, e suas tentativas de expansão de seu império. Aos poucos e ao longo de muitos anos, a Rússia conseguiu subtrair territórios à Pérsia e ao Império Otomano. Os últimos bastiões de resistência, vencidos no século 19, eram justamente as áreas mais remotas do Cáucaso, onde populações de nômades islamizados lutavam de forma extremamente aguerrida. Os tchetchenos eram um desses povos. A URSS foi capaz de contê-los, mas nem bem a União Soviética ruiu, os tchetchenos declararam sua independência em 91.
Já o conflito da Bósnia remonta ao século 14. Fronteira entre três mundos, os Bálcãs sempre foram algo confusos. Parte da população eslava que lá chegou no século 7 acabou se convertendo ao catolicismo (croatas). Os sérvios permaneceram cristãos ortodoxos. No século 14, quando os turcos invadiram a área, muitos dos eslavos se converteram ao islamismo. Todos sempre brigaram entre si. Foi apenas a ditadura do marechal Tito e a situação de Guerra Fria que colocaram alguma ordem na região. Com o fim do comunismo, ruiu a Iugoslávia.
Na área do comportamento, a humanidade é incapaz de grandes avanços. Mesmo com uma parafernália de tecnologias que fazem o trabalho e a produção renderem muito mais, os homens continuam tomando reféns e não esquecem seus novos velhos conflitos.

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