São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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Figueroa traduz México para o cinema

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DA CIDADE DO MÉXICO

O mexicano Gabriel Figueroa, 88, é o mais notável diretor de fotografia do cinema latino-americano. Sua arte definiu a estética do cinema mexicano, em estreita colaboração com o cineasta Emilio Fernández ao longo de 24 filmes, influenciou os ``westerns" americanos e ganhou a admiração de John Ford, com quem trabalhou em ``Domínio dos Bárbaros" (The Fugitive, 1947).
Figueroa fotografou ainda sete filmes mexicanos de Luis Buñuel e dois de John Huston, com quem encerrou a carreira no filme ``À Sombra do Vulcão" (Under the Vulcano), em 1983.
Em entrevista exclusiva à Folha, na Cidade do México, Figueroa relembra todas as suas fases no cinema, inclusive a da sua inclusão na lista negra do macarthismo por acolher perseguidos políticos de Hollywood nos anos 40.
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Folha - Atribuem ao senhor a ``invenção" do céu no cinema mexicano -composição em que 70% a 80% do campo visual da tela é preenchido pelo horizonte celeste e as nuvens-, que influenciou os ``westerns". Como veio essa inspiração?
Gabriel Figueroa - Primeiro, por sentir a necessidade de incorporar a natureza e seus contornos dramáticos para ajudar a explicar o que movia os homens mexicanos na sua história e no cinema.
Depois, por observar que as nuvens moviam-se muito lentamente, o que nos garantia o êxito das tomadas externas sem o perigo inesperado de variações de luz.
Cheguei a dominar as filmagens em preto-e-branco em exteriores porque usava filtros infravermelhos, que eram utilizados à noite. Li um estudo de Da Vinci em que ele dizia ser importante levar em conta ``a cor da atmosfera". Ninguém a via no momento da filmagem, mas eu tinha que vê-la no visor da câmera antes de todos. Assim é que se começou a se falar nas ``nuvens de Figueroa".
Folha - O marco estético dessa linguagem seria uma foto sua de 1933 com os extras de um filme chamado ``Enemigos", de Chano Urueta, num dos momentos de intervalo de filmagem. Esse foi apenas mais um momento de sorte na sua carreira?
Figueroa - Consegui ter um estilo na fotografia em preto-e-branco depois de estudar o expressionismo alemão e ``O Encouraçado Potemkin". Podia me dar ao luxo de estudar tudo isso porque era muito rico. Mas depois a fortuna acabou em um segundo.
Meu irmão Roberto e eu éramos órfãos, e a fortuna deixada pelos nossos pais era administrada por um homem que hipotecou todos os nossos bens. Descobrimos isso quando ele morreu. Em oito dias nos instalamos em um casebre que havia escapado das hipotecas.
Aí então comecei a trabalhar. Primeiro nos quartos escuros, tirando retratos e revelando fotos. Chegou então ao México o senhor Jose Guadalupe Velasco, um homem solitário, alcoólatra, de uns 60 anos, que trouxe de Chicago os primeiros equipamentos elétricos para iluminação. Quando bebia, mandava buscar umas dez mulheres do bordel, mas nunca as tocava. Era para fotografá-las nuas. Eu aprendi muito com ele.
Folha - O aprendizado com as mulheres nuas para chegar ao céu...
Figueroa - Exatamente. E eu tive uma grande sorte por toda a minha vida. Chegou um feriado religioso, da Semana Santa, e eu pedi ao meu primeiro patrão a permissão para faltar alguns dias. Ele devia estar bêbado e concordou. Depois negou e disse que, se faltasse, não me queria mais.
Foi assim que perdi o meu primeiro emprego e saí pelo México com uma câmera emprestada fotografando grupos de estudantes que depois compravam as fotos.
Vinha muita gente de Hollywood, e recebi elogios pelas fotos de cena que fazia para os filmes. Até que ganhei uma bolsa, em 1935, para estudar fotografia de cinema com Gregg Toland, que depois faria a fotografia de ``Cidadão Kane". Observei com ele a arte do jogo de sombras.
Um ano depois a minha fotografia em ``Allá en el Rancho Grande", de Fernando de Fuentes, recebeu o prêmio no Festival de Veneza. Em 1942, foi a vez de ``Maria Candelaria", de Emilio Fernández, vencer o prêmio de melhor fotografia em Cannes.
Fui então favorecido por uma briga entre John Ford com o todo-poderoso produtor Samuel Goldwing, que impediu o diretor de ter a fotografia de Gregg Toland para o filme ``The Fugitive".
``Tenho um discípulo no México que tem mais força que eu", disse Toland a Ford. Foi assim que Ford mandou seu sócio me espionar no México enquanto eu rodava ``Enamorada", com Emilio Fernández. Ele voltou dizendo a John Ford que eu era um bom fotógrafo, mas tinha uma característica muito especial: colocava a câmera onde bem queria, sem nenhuma interferência do diretor.
Quando Ford soube disso, mandou contratar-me imediatamente. Ford me dizia: ``Olha, vou sair um pouco, e você coloca a câmera onde achar melhor..."
Folha - O que o afastou de Hollywood?
Figueroa - Depois de filmar com Ford em 1947, ele me contratou por mais três filmes, mas o tal do macarthismo atravessou o nosso caminho. Quando o nosso sindicato se solidarizou com uma greve americana, Hollywood queria revelar os seus filmes em nossos laboratórios e nós fomos contra. Aí veio um tal de mr. Walsh, líder sindical americano, perguntar se eu era comunista. Encerrei a conversa em meu inglês macarrônico: ``That's none of your business".
Hollywood não iria contribuir a consolidar o meu estilo. Porque o meu estilo é mexicano. Ninguém iria se importar comigo por lá, quando no México era amigo de todos os pintores, de Diego Rivera, Orozco, Siqueiros, dos diretores, atores e, claro, de Dolores del Rio e Maria Felix... Era jovem e solteiro. Estava no meu ambiente, com todos os poetas, literatos...

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sobre Gabriel Figueroa à pág. 5-6

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