São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Mandarins usam a cultura como status

DANIEL PIZA; ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Criados para ajudar no financiamento de atividades culturais, os conselhos e sociedades ligados a museus e teatros atraem, em vez de dinheiro, endinheirados. São sobrenomes famosos, empresários e políticos que usufruem, a preço baixo, do prestígio conferido pelas instituições culturais.
Uma dessas prestigiosas instituições é o Masp (Museu de Arte de São Paulo). Seus 56 sócios efetivos não precisam pagar nada para ter os nomes incluídos nas convocações de assembléias, às quais nem sempre estão presentes.
Já no Metropolitan, o maior museu de arte de Nova York, o número de sócios tem vários algarismos a mais: 105.809. Cada um deles paga, no mínimo, US$ 75 por ano; e pelo menos 140 deles, os conselheiros, chegam a contribuir com US$ 30 mil -sem falar das empresas que patrocinam exposições e eventos.
Dessa lista constam 265 brasileiros, quantia superior à de qualquer museu nacional. Há brasileiros até mesmo entre o grupo dos 140 membros do conselho.
No Brasil vigora ainda a lei do ``mandarinato": para ser sócio de uma instituição cultural importante, basta ter boas relações. O status é a moeda corrente nas administrações. Ter dinheiro é um pré-requisito quase indispensável, mas não é preciso gastá-lo.
A comparação das listas de membros de conselhos e sociedades em São Paulo -como Masp, MAM (Museu de Arte Moderna), Bienal, Teatro Municipal e Sociedade de Cultura Artística- revela que muitos nomes do mandarinato se repetem. São as mesmas pessoas, seus irmãos ou mulheres.
Almeida Prado, Ermírio de Moraes, Bueno Vidigal, Moreira Salles, Silva Martins, Lovatelli, Sena Madureira, Matarazzo, Bratke, Cunha Lima, Pimenta Camargo, Abreu Sodré, Diniz e Ferreira são alguns dos nomes que aparecem duas ou três vezes.
A boa genealogia dos associados não se traduz em garantia de boa saúde para a cultura.
O Masp e a Bienal dependem de recursos públicos. O MAM precisa de R$ 2,5 milhões para sua reforma e obteve até agora R$ 1,3 milhão, do qual R$ 900 mil vieram da prefeitura. Os corpos estáveis do Municipal (balé, coral e orquestra) são mal pagos.
A julgar pelos resultados iniciais da campanha ``Em nome da arte, o MAM passa o chapéu", que o museu lançou há dois meses, os mandarins são difíceis de seduzir: ele não conseguiu mais que uma dúzia de sócios-contribuintes (leia texto à esq.).
Os resultados da campanha do MAM põem em dúvida a eficiência da solução que o próprio governo propõe para aumentar os recursos de museus e teatros públicos: criar sociedades de amigos.
Essas sociedades serviriam para dar autonomia financeira a essas instituições, atraindo recursos privados -ou seja, fazer o que os conselhos e sociedades não têm feito onde já existem.
O Teatro Municipal conseguiu, em parte, o que o MAM ainda tenta. Em 1991, foi formada a Sociedade dos Patronos, um grupo de 250 pessoas que contribuem anualmente com quantias fixas.
A contribuição varia de US$ 800 a US$ 5.000 (pessoas físicas) e de US$ 5.000 a US$ 50 mil (leia texto abaixo). Com o dinheiro, a sociedade financia integralmente alguns espetáculos.
Quando criada, ela atraiu mais de 300 pessoas. Passado o glamour inicial, muitas desistiram, depois houve uma recuperação.
Os contribuintes voltaram quando a Sociedade dos Patronos conseguiu o título de utilidade pública nos governos municipal, estadual e federal. Com isso, eles puderam descontar nos impostos parte do dinheiro gasto.
Quando se trata de organizar espetáculos para si mesmos, os mandarins são mais pródigos. É o caso da Sociedade de Cultura Artística, que atrai 2.000 sócios. Com a venda antecipada de pacotes de ingressos, a US$ 700, financia temporadas musicais.
Mas, ao contrário do Municipal, não tem o compromisso de difundir a cultura além do círculo de pessoas que podem pagar por ela e nem produz espetáculos.
O Mozarteum funciona de modo semelhante, com preço também em torno de US$ 700. Só que, como não dispõe de espaço próprio, usa o Teatro Municipal para as apresentações das orquestras e solistas convidados.
Nesses espetáculos, 80% dos lugares são ocupados pelos sócios. Para cumprir uma exigência do Municipal, ligado à prefeitura, os outros 20%, considerados os piores lugares do teatro, são postos à venda por preços populares.
Quando a instituição se dedica a eventos de grande público, os mandarins preferem contribuir na forma de patrocínio a comparecer com quantias regulares.
É o caso da Fundação Bienal. Quando organizou no final do ano passado sua 22ª mostra internacional de arte, arrecadou US$ 2,6 milhões de patrocinadores privados, além de US$ 600 mil da prefeitura. No dia-a-dia, não recebe nada dos seus 57 conselheiros.

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