São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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Nomes, bois e vacas de presépio

MARCELO LEITE

Crítica, polêmica e desacordo são coisas difíceis de administrar, na cultura do Brasil. O mais comum é um dos lados partir logo para a agressão, como fez o despreparado dirigente do Grêmio na decisão da Copa Brasil contra o Corinthians, quarta-feira.
(Por falar nisso, ainda estou curioso para saber quem era o valentão e por que não foi preso pela valorosa Brigada Militar.)
Nas páginas de jornal, onde não dá para acertar a canela do desafeto nem fica bem xingar-lhe a mãe, usam-se métodos mais sutis para desqualificar o interlocutor. Pode-se, por exemplo, insinuar desinformação, ou falta de inteligência. Lançar suspeita sobre a idoneidade intelectual e moral do oponente também é considerado arma legítima.
A ofensa maior, nessa esfera pública malformada, seria omitir o nome do adversário. Um paradoxo de difícil compreensão: o outro pode ser uma nulidade, nem merece ter o nome pronunciado, mas o que diz é digno de nota e censura. Parece regra de povos primitivos, como dar presentes para envergonhar o presenteado.
Dessa forma arrevesada se desenvolve nas páginas da Folha um debate importante, entre dois profissionais de primeiro time. Para acentuar o absurdo do recurso, sonegarei os nomes. Normalmente já evito citá-los, porque entendo que cabe ao ombudsman criticar jornais, não jornalistas, mas neste caso renuncio mesmo a dar informação que permita identificá-los diretamente, como números de páginas.
Seria uma picuinha a mais entre jornalistas, que muitas vezes põem o prestígio acima da informação. Não é. O que está em discussão vem a ser crucial para o país: a extensão dos efeitos e o custo social da atual política de desaquecimento da economia, com base em juros ionosféricos e crédito exterminado.
O noticiário sobre esse tema não consegue ser mais do que desconcertante. Um dia foi a arrecadação que subiu; noutro, o desemprego. Vende-se e compra-se muito mais do que no mesmo período do ano passado, enquanto explodem as cifras de cheques sem fundo e concordatas. Ônibus e gás sobem segundo a inflação passada, apesar do palavreado oficial sobre desindexação, mas caem os preços dos alimentos. O câmbio não precisa ser alterado -já mudou.
Alguém tem de pôr ordem nessa balbúrdia. Jornalistas estão entre os mais indicados para fazê-lo. Quanto mais conhecimento, autoridade e projeção tiverem, melhor. Mas, para serem compreendidos, é preciso que se saiba do que e de quem estão falando.
Sem essa informação básica, os leitores se sentem tratados como meras vacas de presépio.

Gás, gás, gás
Já que o assunto é bagunça, fique aqui um registro: foi até agora vergonhoso o desempenho da imprensa no esclarecimento da falta de gás de cozinha, semanas depois de terminada a greve dos petroleiros, e do providencial aumento autorizado pelo governo.
As suspeitas de que empresas distribuidoras sonegaram o produto, com objetivo comercial ou político, ainda persistem. Tanto é que até a modorrenta Polícia Federal resolveu ir atrás da história.
Era um bom tema para o tão incensado quanto pouco praticado jornalismo investigativo. Os jornais mais críticos, porém, se limitam a publicar lado a lado as versões conflitantes das empresas satisfeitas e petroleiros enraivecidos.
O leitor que se vire.

Esporte e Ilustrada
Estas duas editorias da Folha estão entre os alvos preferidos de leitores que ligam ao ombudsman para se queixar.
A atenção que atraem decorre do fato de lidarem com alguns prazeres fundamentais da vida cotidiana, como torcer por um time, ver TV, ir ao cinema ou restaurante. Tão fundamentais que seria desejável maior cuidado no trato dessas informações.
A quantidade de retificações (``erramos") publicadas pelo jornal já é, por si só, exagerada. Contei 105, de 22 de maio a 22 de junho. Ocorre que os dois cadernos foram responsáveis por nada menos do que um quarto desse total: Esporte com 14 (13%) e Ilustrada com 13 (12%).
No mesmo período, sete leitores procuraram o ombudsman só para apontar possíveis erros de informação em resultados de jogos, classificação de times e esportistas etc. Outro tanto ligou ou escreveu indicando problemas na Ilustrada.
Catorze erramos por mês resulta na média constrangedora de uma correção a cada dois dias. Isso, claro, se abstraído o fato de que muitas notas corrigem vários erros de uma vez, como esta de quinta-feira:
``Mika Salo é piloto da Tyrrel, e não da McLaren; o nome do piloto Bertrand Gachot aparece grafado incorretamente e com duas nacionalidades (na realidade, ele tem dupla nacionalidade, belga e francesa); Eddie Irvine é piloto da Jordan, e não da Benetton".
Todos esse erros foram cometidos em um único quadro do caderno Esporte, que tem apostado muitas de suas fichas em baterias de dados e estatísticas -bem ao estilo norte-americano de esquadrinhar tudo.
Como são, ou pretendem ser, a forma acabada da informação, os números costumam suscitar uma expectativa óbvia por precisão. Sem ela, a credibilidade do jornal se volatiliza em velocidade diretamente proporcional ao do avanço de quadros e gráficos sobre suas páginas.

Baseado fora-da-lei
Quando vi a capa da semana passada da Revista da Folha, gelei. Sob uma foto que não deixava dúvida sobre o tipo de cigarro que queimava, o título fazia graça: ``Baseado na lei" (para quem não sabe, é um nome muito popular para cigarros de maconha).
Comecei a imaginar uma torrente de ligações iradas com mais uma ``apologia" do uso de drogas (o que a reportagem estava longe de ser). Como o ombudsmanato também ele é de vez em quando -mas só de vez em quando- uma caixinha de surpresas, ninguém ligou nem escreveu para falar sobre isso.
Uma leitora, no entanto, implicou com a reportagem. Leitora do ``O Estado de S.Paulo", não da Folha. E escreveu ao concorrente, para lembrar o título de uma capa de janeiro do caderno juvenil daquele jornal (``Zap"). Se você pensou em ``Baseado na lei", acertou.
A Revista da Folha, por seu lado, errou. Na mosca.
Tenho certeza de que não foi plágio. Mais provável é que tenha ocorrido coincidência ou ato falho, o lapso eloquente dissecado pela psicanálise.
Não importa. Sempre vão dizer que foi plágio, mesmo.

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