São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Demógrafa quer consulta sobre cor
MARILENE FELINTO
Trabalhando também junto ao Núcleo de Estudos de População da Unicamp, que dirigiu durante 12 anos, Berquó realiza suas pesquisas a partir da concepção de que pretos e pardos sejam unidos em categoria única, dos ``negros, por uma questão de conscientização", embora ache necessário separar pesquisa de militância. A demógrafa reconhece que ``ninguém tem sabedoria, direito nem privilégio de classificar ninguém". Acha ``pobre" a classificação por raça ou cor da pele, conforme aparece no formulário do Censo do IBGE, e não se opõe a que a palavra ``pardo" seja trocada por ``moreno". ``Eu acho que a grande maioria vai se classificar como morena, porque a população brasileira é morena mesmo", conclui. Elza Berquó recebeu a Folha em seu escritório do Cebrap, na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo. Folha - Como a sra. avalia o critério da classificação populacional por cor ou raça, conforme se faz hoje no Brasil? Elza Berquó - Nas pesquisas que eu tenho feito, sempre optei por trabalhar com a categoria ``negra", juntando pretos e pardos. Exatamente dada a dificuldade dessa classificação. Trabalho sempre com brancos e negros para poder estabelecer comparações. Acho importante que o o IBGE utilize ultimamente a autoclassificação, a única válida, porque ninguém tem sabedoria, direito nem privilégio de classificar ninguém. Folha - O que a sra. chama de autoclassificação, no Censo, é o quesito referente a raça ou cor? Berquó - Exatamente. No Censo, na questão da cor, o que se solicita é que a pessoa se autoclassifique como branca, parda, preta, amarela e, agora, como indígena, porque essa categoria não existia. Mas concordo com muitos antropólogos e outros pesquisadores que acham que essa é uma classificatória pobre. Como amarelos e indígenas são minoria, a grande polêmica é realmente a categoria parda. Ninguém na vida real se chama de pardo. Nem a literatura nem a poesia nem a música nem o noticiário diário chamam ninguém de ``pardo". As pessoas são morenas mais claras ou mais escuras. Folha - A sra. elimina a categoria pardo de suas pesquisas? Berquó - Coloco tudo como negro. Junto os dois. Seria quase como branco e não-branco, mas eu não gosto dessa denominação porque fica parecendo que o branco é o referencial. No Brasil, como o preconceito e a injustiça social pegam mais a população negra, que está na base da pirâmide, as pessoas, na medida em que têm uma certa ascensão social, tenderiam a se autoclassificar de mais claras, de brancas. Eu privilegio a categoria negra para reforçar o peso reivindicatório deste seguimento populacional. A população que se autodeclara preta é muito pequena no Brasil, não chega a 5%. Quem se auto-identifica como negro tem uma consciência que é fundamental para a luta do movimento negro. O ideal seria se a gente pudesse ter brancos, afro-brasileiros, asiáticos e indígenas. Mas o IBGE ainda não usa essa classificatória. Folha - Por que o termo ``afro-brasileiro" seria ideal? Berquó - Porque, afinal, os negros são afro-brasileiros. Folha - Mas os brancos italianos seriam então ``ítalo-brasileiros" e os japoneses amarelos ``nipo-brasileiros"? Berquó - Tudo bem, aí eles que reivindiquem, se querem que assim seja. É preciso lembrar que há estudos de antropólogos brasileiros mostrando que quando se usa uma classificatória bem mais ampla, a proporção de brancos e de pretos diminui, porque as pessoas têm mais possibilidade de se colocarem. Agora vamos separar uma coisa que é a pesquisa e a militância. Para efeito de militância é fundamental a auto-identificação, porque isso significa uma tomada de consciência. Eu ajo assim porque aprendi isso de alguns movimentos negros, com os quais concordo. Folha - É importante haver uma classificação por raça ou cor num Censo brasileiro? Berquó - É importante porque, por exemplo, no Censo de 1970, essa questão de cor foi abolida. Nós estávamos em pleno período de ditadura militar e se resolveu tirar o quesito do formulário, sob a alegação de que seria racismo incluí-lo. Com isso, ficamos quase 20 anos sem ter qualquer informação sobre a vida da população pobre brasileira, pois o Censo de 60, que continha o quesito, só foi publicado em 1978. E até hoje não foi divulgado na sua íntegra. Esse vácuo de informações foi prejudicial, porque as políticas públicas não tinham como ser aplicadas. Folha - Na atribuição espontânea da cor, critério adotado pelo Datafolha, apenas 6% dos entrevistados se disseram pardos. A maioria, cerca de 46%, se disse ``morena". A palavra ``pardo" não teria uma carga semântica negativa a ponto de as pessoas não se reconhecerem nela? Berquó - Pois é. O IBGE também tem consciência de que a questão não é simples. A Pinad de 76 é um exemplo disso. Mas ali a correlação foi altíssima. Houve concordância em 94% dos casos. Folha - Também nessa Pinad de 76 ``moreno" foi a palavra que mais apareceu? Berquó - Foi. E eu não tenho nada a opor a que se troque o termo pardo pelo termo moreno. Mas a experiência de várias pesquisas pequenas em alguns contextos do Brasil, em geral traduzidas por antropólogos, mostram que, quanto mais ampla é a possibilidade de identificação, mais as pessoas se sentem à vontade. Folha - Qual a melhor maneira de resolver essa questão? Berquó - Eu acho que devia ser feita uma consulta à população, para saber se ela prefere pardo ou moreno. É mais do que razoável fazer isso. Essa pesquisa do Datafolha possivelmente será um elemento para ajudar o IBGE no próximo Censo. Nós já estamos em 1995 e infelizmente ainda não temos a informação da população pela sua classificação por cor referentes ao Censo de 91. Há uma curiosidade muito grande, dos pesquisadores, dos movimentos, para ver como isso ficou. Texto Anterior: Modelo já quis ser branco Próximo Texto: `Não sou negro, sou marrom bombom' Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |