São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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Até réu tem preconceito contra juiz negro

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Até ir a julgamento, no plenário B do 1º Tribunal do Júri, em São Paulo, Roberto (nome fictício) só havia cometido um crime: homicídio (pena de 12 a 30 anos).
Ao explicar as razões do crime, cometeu um segundo: ``Não gosto nem de japonês nem de pessoas de cor", disse o réu.
Com um olho nos jurados e outro no juiz, o promotor Paulo Ferreira Lima explorou teatralmente essa demonstração de preconceito do réu. Deu certo: ao fim do julgamento, Roberto foi condenado a 14 anos e 6 meses de prisão.
``Nem lembrei disso na hora de dar a sentença. Estou acostumado", garante Nilton Santos Oliveira, 37, único negro entre os 11 juízes do 1º Tribunal do Júri.
Estar ``acostumado" significa ouvir diariamente pessoas entrarem em sua sala, olharem para ele e perguntarem: ``Onde é a sala do juiz?" Ou: ``Você viu o juiz?" Ou: ``O juiz já chegou?"
Oliveira tem por hábito responder: ``Eu sou o juiz." Essa frase costuma ser dita com tamanha naturalidade que, invariavelmente, provoca uma mesma reação: ``As pessoas ficam com a cara no chão. O que me deixa feliz", diz ele.
Quando era juiz em Caraguatatuba, no litoral de São Paulo, Oliveira com frequência era parado na estrada por policiais rodoviários impressionados com o fato de um negro dirigir um Monza do ano.
Em uma ocasião, o desconfiado policial não ficou satisfeito em verificar os documentos de praxe. Perguntou a ocupação de Oliveira: ``Sou juiz", respondeu, para ouvir uma réplica imediata do policial: ``Juiz de futebol?"
Nascido em Prado, na Bahia, filho de um lavrador e de uma dona-de-casa, Oliveira foi o único entre os quatro irmãos da família a conseguir um diploma superior.
Antes, na Bahia, foi engraxate, jornaleiro, office-boy. Em São Paulo, enquanto estudava direito à noite em uma faculdade particular, trabalhou como bancário e depois foi escrevente de Justiça.
Formado em 1985, fez vários concursos, entre os quais para juiz. Em 91, depois de exercer a advocacia por alguns anos, foi nomeado juiz em Caraguatatuba.
Como outros negros de classe média que conseguiram superar barreiras sociais e econômicas, Oliveira acha que o esforço pessoal é uma das principais chaves do seu sucesso.
``O preconceito incomoda, mas não me impede de agir com naturalidade. O excesso de preocupação com o preconceito pode atrapalhar. Se eu não pensasse assim, não teria feito nada."
Divorciado de uma mulher branca, está se preparando para casar com uma mulher morena. ``A única diferença é que as pessoas brancas que namorei tiveram mais oportunidades na vida."
Oliveira é contra um sistema de reserva de vagas no mercado de trabalho para os negros. ``É melhor o preconceito ser velado do que explícito, como é nos EUA", diz o juiz.
(MSy)

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