São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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Negro nordestino conquista espaço do branco só na hora da autópsia

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

Uma entidade especializada em direitos humanos, o Centro de Cultura Luiz Freire, constatou que das 1.378 pessoas assassinadas na Região Metropolitana de Recife no ano passado, só 173 eram brancas.
As demais foram autopciadas pelos legistas como sendo negras, pardas ou morenas.
Isso mostra que os não-brancos são objeto de violência de forma desproporcional a seu peso demográfico, e que por trás desse fenômeno pode estar um indício de racismo.
Foi aliás no Nordeste que o Datafolha registrou a maior porcentagem de pessoas que admitem abertamente ter preconceito de cor (17%, contra 8% no Sudeste, índice menor).
O Nordeste é também a região em que o menor número de entrevistados brancos (8%, contra 15% entre os brancos do Sul e do Norte/Centro-Oeste) não manifestou qualquer racismo implícito.
Trata-se, no caso, de concordar ou discordar de determinadas afirmações de conteúdo discriminatório que o pesquisador submete ao entrevistado.
Mesmo assim, numa cidade como o Recife -com alta incidência de respostas racistas à pesquisa- a impressão superficial é a de que subsiste uma ampla harmonia racial.
Não há atentados de ``skinheads" contra os negros nem grupos de brancos organizados para manter, pela força, sua hegemonia econômica com raízes no período colonial.
Em termos estatísticos, no entanto, as sociedades branca e não-branca estão nitidamente dissociadas. A Comissão de Defesa da Cultura Afro-Brasileira, instalada na Câmara Municipal de Recife, descobriu que eram negras 86% das pessoas assassinadas entre janeiro e março de 1991.
Por sua vez, o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicava em 1990, no Nordeste, que os brancos adolescentes ou adultos sem instrução eram de 27%, enquanto entre os negros essa cifra subia para 46%.
O sociólogo e escritor pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) acreditava que a distinção nítida das raças havia cedido lugar a um Brasil miscigenado.
Para as esquerdas, por sua vez, a distinção racial se equacionou de tal forma que o negro passou a ser visto como vítima da discriminação apenas por ser pobre.
A militância negra nordestina se contrapõe a esses dois discursos e diz representar a especificidade do brasileiro oprimido em razão da origem africana e da cor de sua pele. Mas ela perdeu o pouco do espaço que havia conquistado nos anos 80.
Nas relações do dia-a-dia, o racismo no Nordeste é eufêmico, diluído. Não gosta de assumir o próprio nome.

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