São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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Racismo envergonhado

Alguns sinônimos ou definições registrados no ``Aurélio". Para ``branco" há: alvo, cândido, transparente, sem mácula, inocente, puro, patrão. Para ``negro" consta: sujo, encardido, muito triste, lúgubre, melancólico, funesto, lutuoso, maldito, sinistro, perverso, nefando.
Infelizmente não é apenas na língua que o racismo se manifesta. Ele tem implicações muito mais concretas e perversas na vida de milhões de cidadãos brasileiros.
Em pesquisa inédita publicada hoje, a Folha revela as facetas do racismo à brasileira. É o primeiro levantamento científico completo sobre o racismo já feito no país.
A principal conclusão do trabalho é que o Brasil é um país racista, embora relute em admiti-lo. Entre os não-negros, 88% afirmam não possuir nenhuma espécie de preconceito contra negros; apenas 10% reconhecem tê-los. Mas o Datafolha pediu também aos entrevistados que se manifestassem em relação a 12 questões -do tipo ``você já votou ou votaria em algum político negro"- que, de alguma forma, indicam se a pessoa tem ou não preconceito. Aí os resultados foram desanimadores. Apenas 14% passaram no teste, não manifestando nenhum tipo de preconceito. Os 86% restantes demonstraram racismo em pelo menos uma pergunta.
A pesquisa revela também outros números surpreendentes. Quase a metade dos negros concorda com a afirmação de que ``negro bom é negro de alma branca", e 22% deles acham que ``negro, quando não faz besteira na entrada, faz na saída".
Além de números, o caderno traz casos, alguns pitorescos, outros cruéis. O único juiz negro do 1º Tribunal do Júri (SP) conta que com frequência é parado por policiais que estranham um negro dirigindo carro de luxo. Uma vez, um policial desconfiado perguntou-lhe sua profissão e ele respondeu: ``Juiz". O guarda arrematou: ``De futebol?".
Bem mais triste é o caso da negra Marlene Maria Lino da Silva, que foi mantida, por dois anos, em cárcere privado por sua patroa, que nunca lhe pagou um centavo e ainda a submetia a maus-tratos. É literalmente a volta da escravidão.
Outro ponto relevante é a ignorância acerca da lei anti-racismo. Vão para a delegacia de crimes raciais casos de pessoas que se sentiram ofendidas por referência a sua cor. Isso não é crime de racismo. Dá, no máximo, um processo por injúria, calúnia ou difamação.
Quase todos os artigos da lei 7.716 de 1989, que define os crimes de racismo, começam com os verbos ``impedir", ``recusar" ou ``negar". São puníveis pela lei apenas atos racistas e não opiniões.
Talvez a maior importância dessa pesquisa do Datafolha é que ela cria um parâmetro para estudos futuros. Dentro de cinco ou dez anos uma nova pesquisa poderá revelar se os esforços para combater a chaga do racismo estão dando certo.
Por trás do mito da democracia racial brasileira e até da própria língua portuguesa falada no Brasil esconde-se um perverso racismo que, por não ser explícito, é muito mais difícil de combater.

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