São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 1995
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A responsabilidade penal da criança e do jovem

HÉLIO BICUDO

Encontra-se em andamento na Câmara Federal, submetida ao juízo de admissibilidade constitucional, emenda de autoria do deputado Benedito Domingos (PP-DF), que propõe a redução de 18 para 16 anos o termo inicial da responsabilidade penal. O autor do projeto apresentou a justificativa de sua proposta, buscando argumentar com o fato de que hoje não mais é admissível a consideração de que um jovem, até mesmo com 12 anos de idade, ignore as consequências de sua atuação na comunidade em que vive.
E mais: que a idade biológica não pode, por isso mesmo, sustentar o critério para a fixação da idade mínima de imputabilidade penal. Traz à colação os códigos penais da primeira República e do Império, quando a responsabilidade penal se fixava aos 14 anos, dependendo, entretanto, a condenação de constatações médico-psiquiátricas. Ora, no direito penal de hoje, essa questão e outras relativamente à responsabilidade penal são avaliadas objetivamente e não subjetiva e aleatoriamente.
A idade deve ser um dado objetivo, como, por igual, o delito, tipificado em figuras de contornos absolutamente claros, definidos segundo uma linguagem simples, cujo significado está ao alcance de todos: matar alguém, subtrair coisa alheia móvel; falsificar documento etc.
Hoje, no Brasil, diante de uma conjuntura que se qualifica pela violência, quer-se equacionar questão de tanta relevância de maneira artificial, como a problemática da idade mínima de responsabilidade penal.
Se for ela rebaixada, o problema da criminalidade estará, em grande parte, resolvido. É o que asseguram os defensores da idéia. Para chegar-se a esse patamar, buscam-se argumentos absolutamente inaceitáveis. Fala-se na qualificação eleitoral facultativa aos 16 anos ou à concessão de carteira de motorista na mesma idade.
Ignora-se, entretanto, que tanto um fato como outro -e note-se que a Câmara dos Deputados já rejeitou a concessão de licença para dirigir veículos automotores aos 16 anos- beneficiam percentual insignificante da juventude. Um menino ou menina de rua, centrado no dia-a-dia da própria sobrevivência, não está interessado em participar da atividade político-eleitoral e, muito menos, poderá alcançar a direção de um carro, nem sequer para exercer uma profissão.
São setores reservados às classes dominantes de alto poder aquisitivo. E veja-se a perversidade do argumento: aquilo que não é acessível ao menino ou à menina excluídos passa a ser fator de sua própria repressão...
É evidente não ser esse o caminho para o combate à criminalidade, com o encaminhamento de pessoas jovens à promiscuidade de nosso sistema prisional, onde a corrupção e a violência são a tônica de um sistema falido.
Tenha-se, todavia, em mente, que o adolescente infrator não permanece em liberdade. Leia-se, a propósito, o quanto dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em cujo texto se disciplinam penalidades que vão até três anos de internação, as quais podem perdurar por tempo maior, desde que as circunstâncias o indiquem. Leiam-se, a respeito, os artigos 121 e 123, dessa lei, que se constitui em marco relevante no tratamento do problema.
O exame do mérito da matéria informa, no caso, a sua constitucionalidade, problema focal da inadmissibilidade da emenda.
Ao buscar o rebaixamento da idade de imputabilidade penal, embasado em um raciocínio predominantemente subjetivo, a emenda proposta esbarra na proibição do artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição Federal, ao afirmar que não será objeto de deliberação a proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Realmente, durante 54 anos, consideramos, em lei ordinária, que a responsabilidade penal tem início aos 18 anos. O constituinte de 1986/88 entendeu de erigir essa norma em garantia constitucional, antevendo, talvez os movimentos emocionais decorrentes do aumento das taxas de criminalidade.
Dizemos emocionais, porque recente pesquisa realizada pelo Unicef/Ministério Público paulista mostra a exiguidade da participação dos jovens na escalada da violência. Assim, o artigo 228, da Constituição Federal, dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos. Com isso os menores de 18 anos adquiriram o direito de não se submeterem, até essa idade, à justiça penal, garantia que o artigo 5º, inciso 36, da mesma lei básica, impõe.
E quando mais não fosse, convém lembrar que os direitos e garantias individuais não são, tão-somente, aqueles elencados no aludido artigo 5º, da Constituição Federal, mas tantos quantos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal).
Assim, é de se esperar que o projeto ora comentado, seja rejeitado por atentar contra uma nítida garantia constitucional, ao invés de se deixar que tramite, pois, se o permitirmos, estaremos escancarando a portaria, através da qual irão correr fáceis o ódio, a vingança contra aqueles que, excluídos pela sociedade, se constituem em pedra de tropeço para todos nós.

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