São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 1995
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FHC cria um grupo para combater trabalho escravo

Anúncio é feito no programa ``Palavra do Presidente"

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso criou ontem um grupo executivo de repressão ao trabalho escravo, formado por integrantes de cinco ministérios. ``Isso (trabalho forçado) tem de acabar", disse ontem FHC no seu programa semanal de rádio ``Palavra do Presidente".
Fernando Henrique disse que, ``infelizmente", a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, não acabou com o trabalho escravo no país. ``Ainda existem brasileiros que trabalham sem liberdade (...), e os escravos do Brasil moderno trocam de dono e nunca sabem o que esperam no dia seguinte."
Segundo FHC, mais de 80% das denúncias que chegam ao Ministério do Trabalho são do sul do Pará. Também há denúncias de irregularidades em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Alagoas.
Leia a seguir a íntegra:

Em 1888, a Princesa Isabel assinou a famosa Lei Áurea, que deveria ter acabado com o trabalho escravo no país. Digo ``deveria" porque, infelizmente, não acabou. Ainda existem brasileiros que trabalham sem liberdade. Só que, antigamente, os escravos tinham um senhor.
Os escravos do Brasil moderno trocam de dono e nunca sabem o que esperam no dia seguinte. É sobre essa triste realidade que eu quero conversar com você hoje.
As denúncias sobre o assunto são muitas. Mas é preciso deixar bem claro o que é trabalho escravo. Trabalho escravo é aquele que tira a liberdade de ir e vir do trabalhador. Isso acontece, principalmente, no sul do Pará. Mais de 80% das denúncias que chegam ao Ministério do Trabalho são do Pará.
Em fazendas que fazem desmatamento, por exemplo, o trabalhador escravo é vigiado 24 horas por dia, por jagunços muito bem armados.
Além disso, é obrigado a comprar do dono da fazenda tudo o de que precisa para sobreviver. Na maioria das vezes, não sabe nem o preço dos produtos que compra. Aí, o que acontece é o seguinte: a dívida dele vai aumentando, não recebe nada no fim do mês e é obrigado a continuar trabalhando para pagar a dívida.
Outros tipos de denúncias chegam ao Ministério do Trabalho, mas não podem ser consideradas como trabalho escravo e sim como trabalho degradante.
É o caso de algumas serrarias de Rondônia, onde brasileiros trabalham em condições desumanas. Sem água limpa para beber, sem qualquer saneamento, sem um lugar decente para morar e sem qualquer tipo de equipamento de segurança para lidar com as serras elétricas.
Seguidamente, ouvimos notícias de trabalhadores -e até de crianças- que perdem os dedos nessas serrarias.
E existem, também, denúncias envolvendo esses dois tipos de trabalho, o escravo e o degradante. É o que acontece em algumas carvoarias do norte de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul. As irregularidades vão desde o não comprimento da legislação trabalhista -ninguém tem carteira assinada- até a falta de condições de vida, de trabalho e de liberdade.
Na última fiscalização feita, no fim de maio, na região dos municípios de Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Três Marias, no Mato Grosso do Sul, foram encontradas 83 irregularidades em 4 empresas.
Neste ano, o Ministério do Trabalho adotou uma nova política de combate: é a fiscalização móvel. As equipes especializadas que fazem a fiscalização nunca são formadas por profissionais do Estado denunciado.
O ministério trabalha a partir de uma denúncia e nem sempre consegue comprovar as irregularidades. Quando um trabalhador foge e denuncia para a imprensa, os fazendeiros ou empresários acusados dão um jeito de acabar com qualquer vestígio que comprove o trabalho escravo ou degradante. Quando a denúncia é comprovada, muitos desses exploradores pagam a multa cobrada pelo Ministério do Trabalho, mas continuam com as irregularidades.
E isso tem de acabar!
Eu estou assinando hoje um decreto para criar um grupo executivo de repressão ao trabalho forçado. Ele será formado por representantes de cinco ministérios: do Trabalho, da Justiça, da Agricultura, da Indústria, Comércio e Turismo e do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Amazônia Legal. E esse não vai ser só mais um grupo de discussão, vai agir.
A primeira tarefa será definir punições realmente rigorosas para essas pessoas que andam transformando brasileiros em escravos.
E a punição da lei não basta. É preciso pegar esse pessoal pelo bolso. É só no bolso que eles sentem. O governo não vai mais conceder empréstimos, subsídios, rolamento de dívidas a esses fazendeiros e empresários inescrupulosos e nem deixar que eles participem de concorrências públicas.
A atuação conjunta dos cinco ministérios é muito importante. O Ministério da Justiça vai ampliar a cooperação com o Ministério do Trabalho. Hoje, as equipes de fiscalização são acompanhadas por policiais federais.
A participação da Polícia Rodoviária Federal facilitará o trabalho porque, geralmente, os trabalhadores que estão sendo explorados e sacrificados são recrutados em regiões diferentes.
Por exemplo: para trabalhar nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, são recrutados trabalhadores em Minas Gerais. Um controle bem-feito nas estradas ajudaria a descobrir para onde os trabalhadores são levados.
Como o Ministério da Indústria e do Comércio também está no grupo, outra irregularidade poderá ser combatida: o trabalho infantil na indústria de calçados.
Há muitas denúncias contra empresas. Denúncias que não podem ser comprovadas porque as crianças trabalham em suas próprias casas. Isso é completamente ilegal, desumano e prejudica o país economicamente.
Os Estados Unidos, por exemplo, já avisaram que não vão mais comprar calçados de indústrias que utilizam mão-de-obra infantil.
O problema do trabalho escravo e do trabalho degradante no Brasil é muito, mas muito grave. Felizmente, não é só o governo que se mobiliza para combatê-lo.
Várias entidades da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra, também estão agindo. Esse problema tem que ser enfrentado assim, com a união de esforços e sem interesses políticos ou religiosos.
Antes de terminar o programa de hoje, eu quero fazer um apelo e um alerta. Um alerta aos empresários que cometem esses verdadeiros crimes: o governo vai ser rigoroso. E um apelo a esses brasileiros que são escravizados e a suas famílias: denunciem!
Eu sei que a violência é de dar medo. O Ministério do Trabalho tem notícias de trabalho escravo em Alagoas, mas não tem como comprovar porque não sabe onde procurar. Ninguém denuncia por medo. Medo até de morrer.
Mas, se as pessoas ficarem caladas, essas barbaridades vão continuar acontecendo. Procurem as Delegacias Regionais do Trabalho, as representações dos Ministérios nos Estados, a igreja, a Pastoral da Terra, o Sindicato dos Trabalhadores.
Precisamos fazer um esforço nacional para cumprir, definitivamente, a Lei Áurea!

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