São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 1995
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Gal vira João de saias no Carnegie Hall

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DO ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

Os ``brazucas" mais uma vez se curvaram ao Brasil com o show da cantora baiana Gal Costa anteontem no Carnegie Hall, dentro da programação do JVC Festival. Eles lotaram o teatro, mataram saudades e cantaram os 26 clássicos que Gal reienterpretou ao longo de duas horas.
Ela repetiu como verdade um bordão pejorativo que lhe atribuíram no início da carreira, a de que não passava de um João Gilberto de saias. Agora sim, passados 29 anos da estréia, Gal é o João de saias. Faz 50 anos em 26 de setembro, está no ápice e dali não deve mais se retirar.
O público sedento de português demonstrou que o prestígio internacional da MPB se deve menos às qualidades desta do que à grande diáspora dos brasileiros rumo ao Primeiro Mundo.
O novo CD de Gal, ``Mina d'Água do Meu Canto", lançado no Brasil em maio, não está nas lojas e poucas pessoas o conheciam. Como o repertório é de música de Caetano e Chico, a ausência do produto não prejudicou o show.
Gal é identificada em Nova York com Tom Jobim (1927-1994), pois cantou com ele diversas vezes na cidade. Por isso, incluiu duas músicas do compositor no espetáculo: ``Corcovado" e ``A Felicidade".
Na metade do show, explicou em inglês que ia interpretar uma nova composição de Caetano e Chico, o samba ``Como um Samba de Adeus", em honra a Jobim.
A música diz: ``Quanto tempo pode durar um espanto?" Gal mostrou que, em se tratando de bossa nova, este pode se eternizar.
Cantou a ``soto voce", investindo nos pianíssimos. A tônica do espetáculo foi Gal derivando aos graves e às intensidades discretas.
A amplificação ruim e a tensão do septeto que a acompanhava não foram capazes de encobrir o poder da maior intérprete da MPB.
Fez seu vestido longo lilás de seda dançar com os movimentos sinuosos do candomblé. Explorou cada canção com calma e segurança. Só quebrou o sossego em ``Língua" e ``Odara".
Essa última música não faz jus ao resto do repertório. O arranjo estereotipado de Jaques Morelenbaum leva bons músicos a agirem no palco como se labutassem num estúdio. Teria sido o fim, se Gal, diante da platéia em pé, não houvesse cantado ``Vaca Profana".
Desencorajou o público a acompanhá-la, exceto no refrão do samba ``Quem te Viu, Quem te Vê", de Chico. Permitiu que a platéia entoasse em coro o ``laralaiá". Por instantes, o Carnegie Hall se pareceu com o teatro da Record de São Paulo, onde aconteceram os festivais de MPB nos anos 60.
Exibiu uma voz mais ampla, não só construída sobre os superagudos. Gal está mudando de característica vocal; passa de soprano a mezzo, fato que lhe dá maior tessitura, mais alcance.
Juntou o rigor da melodia à temperança dos sentimentos em ``O Ciúme" e ``Desalento". Surgiu então a discípula sem ansiedade de João. Levou três décadas para se converter no mestre. Em pelo menos uma noite, conseguiu.

O jornalista LUÍS ANTÔNIO GIRON viajou aos EUA a convite do JVC Festival

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